domingo, 20 de fevereiro de 2011

Memórias da Revolução Liberal em Vila do Conde e Póvoa de Varzim

Vila do Conde e Póvoa de Varzim eram em 1834 dois pequenos concelhos, cada um confinado à sua freguesia; nela ficava o reduzido núcleo urbano, a que acrescia também alguma dimensão rural. Foram os setembristas quem mais adiante refez a divisão administrativa do país e lhes atribuíram uma área próxima da que hoje possuem.
Razões várias nos têm levado a procurar informação sobre o que se passou nestes concelhos ao tempo do dificílimo período da revolução liberal.  O que até ao momento pudemos apurar é o que vai abaixo. 
De Vila do Conde, consideramos apenas a parte a norte do Ave.

Perspectiva global

Sobretudo as pessoas de mais idade têm algum conhecimento vivido das últimas revoluções acontecidas no nosso país: a do 25 de Abril, a da Ditadura a que o Estado Novo sucedeu, a da República.
Antes destas, houve aquela que talvez seja a maior de todas elas, a liberal, a que substituiu o regime absoluto pela monarquia constitucional e implantou pela primeira vez no país um simulacro de vivência democrática, com um poder assente no voto popular. É esta que agora nos interessa.
Quando se fala de revolução, convém distinguir dois aspectos, a substituição do grupo político dirigente e as transformações que o novo pensamento impõe às instituições e que acaba por ter um profundíssimo impacto na vida prática e na mentalidade das pessoas.
Grosso modo, poderíamos dizer que a revolução liberal se prolongou por três décadas, de 1820 a 1850. De facto, foi da movimentação revolucionária ocorrida no primeiro destes anos que saiu a incendiária constituição de 1822 e a partir de 1851 o país estabiliza sob a Regeneração.
Certamente os livros camarários e mesmo paroquiais aqui das redondezas conservam memórias de muitos acontecimentos ligados à revolução liberal, mas não os conhecemos. Quando nos referimos a livros paroquiais, estamos a pensar num estudo que fizemos e para o qual lemos o que havia no arquivo paroquial duma pequena paróquia e por isso sabemos como essa informação pode ser significativa.
Veja-se uma pequena lista de memórias da revolução liberal facilmente identificáveis na área de Vila do Conde a norte do Ave e no concelho da Póvoa: o padrão dos Mindeleiros junto ao castelo vila-condense, que assinala a tentativa de desembarque da frota liberal; os mosteiros desactivados de Santa Clara e do Carmo, também em Vila do Conde, e ainda o Convento de S. Francisco na mesma situação, que lembram a extinção das Ordens Religiosas; em Touguinhó, que é importante para este caso, a igreja paroquial e a antiga residência, bem como a ponte d’Este; em Balasar, a capela do Senhor da Cruz.
Há alguns homens deste período que se devem referir: o P.e Domingos da Soledade Silos tem um lugar de primeira importância, o P.e Sacra Família, embora não andasse por cá, também merece ser mencionado; dois outros padres merecem referência particular, o de Touguinhó e o da Junqueira. Mas há vários outros párocos que não é possível ignorar. O Visconde de Azevedo, que na altura já casara com uma poveira, não pode ser esquecido.
Deste tempo também convém lembrar alguns livros que se conservam em Santa Clara e muitos que se conservam em Bagunte, mesmo que venham de bastante antes da revolução a que nos estamos a referir, e ainda certo ex-voto que se conserva no museu poveiro.
Só para dar uma ideia inicial do que se passou, veja-se como o P.e Domingos da Soledade Silos (o que fez o registo de baptismo de Eça de Queirós) avaliou em 1845 o pároco de S. Simão da Junqueira. Depois de dizer que ele se chamava João Gomes da Silva, acrescenta diversos pormenores que para o nosso caso não interessam; por fim, afirma peremptoriamente:

A sua conduta moral, civil e política é a melhor possível, e sempre o foi; e quanto aos livros estão no melhor estado.

Era um sacerdote exemplar, segundo o juízo do P.e Silos.
Compare-se porém esta avaliação com o que escreveu um padre visitador em 1825, sobre o mesmo pároco: “é pároco de muito mau porte e amigo da desordem. Frequentou Filosofia, Teologia e Retórica”.
E justifica: […] reside há 5 anos provido por apre­sentação do dito Il.mo Bento José Rodrigues e D. Ana Eufrá­sia, a quem o dito pároco tem sido ingratíssimo, pois umas vezes, nos dias festivos, diz a missa no altar do Sacramento, que fica ao lado esquerdo da igreja, donde do coro se não vê o sacerdote; outras vezes vem dizê-la a um dos últimos alta­res que fazem alas pela igreja, para que a família ilustre da­quela casa não veja do coro o sacerdote; tudo com o fim de se «bandijar» (bandear) aquela ilustre família a quem deve o ser pároco, deixando de dizer missa no altar maior […].
Não é possível conciliar as duas avaliações, a de 1825 com a de 20 anos mais tarde. As paixões políticas cegam as pessoas, e o P.e Domingos da Soledade Silos deixou que a sua paixão se sobrepusesse aos seus deveres de sacerdote respeitador do bom senso e da verdade – traço que é notório na sua vida.
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A mensagem abaixo, enviada em Junho de 1839 pelo administrador do concelho da Póvoa de Varzim ao "Ilustríssimo Sr. Comandante da força estacionada em Terroso", mostra-nos que se viveram por lá momentos de agitação; não é impossível que entre os soldados estivesse o futuro escritor Camilo Castelo Branco, uma vez que ele conta que passou algum tempo nas redondezas.



Ilustríssimo Sr. Comandante da força estacionada em Terroso

Como a freguesia de Terroso, onde se V. Senhoria se acha com a força de seu comando, esteja em prefeito sossego, rogo a V. Senhoria a graça de ir aquartelar-se à freguesia de Rates, no dia 25 do corrente até que se conclua o tempo que lhe for ordenado para esta diligência.
Espero que me avise quando tencionar mandar o preso a fim de eu lhe remeter os papéis que o devem acompanhar.
Deus guarde V. Senhoria.
Administração do Concelho da Póvoa de Varzim, 24 de Junho de 1839.


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Imagens a contar de cima:
  • Padrão dos Mindeleiros, em Vila do Conde, junto ao mar e ao Castelo.
  • Inscrição do mesmo padrão.
  • Pormenor (frontão) da fachada sul do Mosteiro de S. Clara.
  • Ponte d'Este, em Touguinhó, datada de 1834.
  • Data na mesma ponte.
  • Reconstituição da fachada da Capela da Santa Cruz de Balasar, feita nos 175 anos da sua aparição.

António Pires de Azevedo Loureiro e Manuel Pires de Azevedo Loureiro


Há em Balasar um importante documento intitulado Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar. Data de 1834, o ano da vitória liberal contra D. Miguel e da extinção das Ordens Religiosas;  o P.e Leopoldino Mateus estudou-o no Boletim Cultural Póvoa de Varzim. O documento tem no final a assinatura de António Pires de Azevedo Loureiro. Ora este nome é muito parecido com o dum seu contemporâneo e de muito triste memória na Arquidiocese de Braga, que foi o vigário capitular e se chamava Manuel Pires de Azevedo Loureiro. Que relação existirá entre os dois?
Provavelmente eram irmãos; certo é que eram naturais da freguesia de Moreira, no concelho viseense de Nelas. O Manuel veio a ser bispo de Beja.
Os historiadores da Igreja são muito duros, e com razão, para Manuel Loureiro. Vejam-se sobre ele alguns parágrafos de Fortunato de Almeida na História da Igreja em Portugal, vol. III:

Por carta régia de 2 de Abril de 1834 foi insinuado ao cabido [bracarense] que elegesse vigário capitular o Dr. Manuel Pires de Azevedo Loureiro [na altura nomeado pelo governo administrador temporal da diocese], prior da freguesia de Santo André de Lisboa, o qual efectivamente foi eleito no dia 15, apesar das observações feitas por alguns cónegos sobre a ilegitimidade de tal acto.

Em Braga não havia arcebispo desde 1827, por isso o cabido, órgão colegial constituído pelos cónegos da Sé, devia providenciar para que a diocese tivesse um responsável - um vigário capitular. Continuemos a citação:

Loureiro ia precedido da fama, talvez adrede improvisada, de homem recto e probo; “mas ele – diz um contemporâneo – encobria, com a capa de bondade, as mais desordenadas e destruidoras bases da sã moral, como pouco tempo depois se fizera patente”. […]
O governo de Loureiro de Azevedo em Braga foi uma série de prepotências e atropelos, em que nem ao menos se procurava salvar as aparências. No dia imediato àquele em que pela primeira vez entrou no paço arquiepiscopal, e antes de reunir o cabido para lhe conferir, embora contra direito, a jurisdição canónica, Loureiro chamou o secretário da câmara eclesiástica, Padre Custódio José de Araújo, a quem pediu todos os requerimentos que estivessem aguardando despacho. Poucas horas depois estavam expedidos todos os negócios pendentes. Suspendeu todos os clérigos que se tinham alistado no batalhão eclesiástico, e em seguida muitos outros por os considerar desafectos ao partido constitucional. Concedeu dispensas matrimoniais, sujeitas a multas a seu arbítrio impostas, e cujo produto se destinava a obras de beneficência, tudo em conformidade com os decretos de 1834. Em execução do decreto de 9 de Agosto de 1833, extinguiu os conventos de S. Frutuoso e Tibães.

Manuel Loureiro é um intruso – pois havia um vigário capitular legítimo – que se comporta como fiel e activo agente dum governo hostil à Igreja.
Em 23 de Dezembro de 1835, coloca António Loureiro como seu substituto (vigário capitular). Mas é um ano antes (19 de Dezembro de 1834) que se conclui a Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar.
Na citação de Fortunato de Almeida falava-se do Batalhão Eclesiástico. Tratou-se dum batalhão composto de eclesiásticos, organizado por ordem do vVigário capitular D. António da Cunha Reis, para manter a ordem em Braga, porque a força militar miguelista de Braga, à chegada das forças liberais, havia retirado para os acampamentos. Era comandante o Provisor do arcebispado e Arcediago de Barroso na Sé Primaz o Dr. José Firmino da Cunha Reis (Mons. José Augusto Ferreira).
De acordo com o P.e Silos, o pároco de Balasar, Manuel José Gonçalves da Silva, foi provido em 1833 e expulso em 1834. Como ele era muito jovem e foi Mestre de Moral em Braga, não é impossível que tenha sido também membro do Batalhão Eclesiástico. Mas pelo menos, quase de certeza, foi vítima dos saneamentos do vigário Manuel Loureiro. A data do último e único assento que aquele pároco escreveu nos livros de Balasar é contemporânea de tais saneamentos (30 de Abril de 1834). De facto o Mons. José Augusto Ferreira, ao referir os desmandos do vigário Manuel Loureiro já assinalados por Fortunato de Almeida, nas suas Memórias para a História dum Cisma e nos Fastos Episcopais da Sé Primacial de Braga, menciona explicitamente “a demissão de muitos párocos e cónegos bem como a suspensão de outros”.
Estamos no ano terrível da revolução e a ver efeitos que ela teve por cá.
Imagens a contar de cima:
  • Manuel Loureiro como bispo de Beja.
  • Assinatura de António Loureiro.
  • Retrato de Mons. J. A. Ferreira.

Nos Inquéritos do P.e Silos em 1845


O reatamento de relações do governo liberal com a Santa Sé em 1841 não significou, por exemplo, a restauração das Ordens Religiosas (o que seria perfeitamente razoável), o afastamento de todos os que se tinham infiltrado irregularmente nas estruturas da hierarquia religiosa - daqueles que tinham sido autênticos algozes de pessoas inocentes. Deve-se ter feito o que as circunstâncias permitiam. Mas foi um alento novo em direcção às posições da verdade e da justiça: a hierarquia dependia agora sem ambiguidades da Santa Sé, párocos injustamente expulsos regressaram às suas paróquias. Todos? Não fazemos ideia.
Um homem como o arcipreste de Vila do Conde não deveria pelo menos ter sido afastado do cargo? Hoje isso para nós é claro, mas não foi de modo nenhum o que se passou; continuou a defender abertamente, agressivamente as suas posições divisionistas, cismáticas. E morreu muito conceituado, em 1855. Mas se até o Dr. Manuel Loureiro chegaria a bispo!...
Conta-se que a abadessa de Santa Clara de Vila do Conde, ao avistar a armada liberal no oceano, terá sentenciado: “Aquilo vem dar cabo disto”. Realmente as intenções que moviam D. Pedro e os liberais não eram boas, como já se saberia e depois largamente se verificou.
Tanto quanto nos parece, a revolução liberal provocou uma situação mais grave que a que associamos à República, e que já foi gravíssima. As divisões entre o clero foram muito mais profundas, as humilhações mais duradoiras. Nem faltou a tentativa de vergar os sacerdotes pela indigência.
Os inimigos eram os mesmos, os pedreiros-livres, e tinham o mesmo objectivo. Mas os liberais mantiveram a sua posição muito mais tempo.

A Palestra da Junqueira

Desde o século XVIII, os párocos e outros sacerdotes reuniam-se mensalmente para tratar temas de interesse da classe; a essas reuniões chamava-se palestras. Sabendo-se quem era o P.e Silos e que ele era o arcipreste, não é de estranhar que tivesse colocado à frente delas gente da sua confiança.
Em 1845, na área do arciprestado de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, as palestras eram cinco:
A de Amorim, presidida pelo pároco de Nabais, tinha como vice-presidente o pároco de Terroso e incluía, além de Amorim, Nabais, Estela, Terroso e Laundos.
A da Junqueira, presidida pelo pároco da Junqueira, tinha como vice-presidente o pároco de Bagunte e incluía Rates, Balasar, Arcos, Rio Mau, Bagunte, Outeiro, Parada e Santagões.
A de Touguinha, presidida pelo pároco de Touguinha, tinha como vice-presidente o pároco de Argivai e incluía Touguinha, Touguinhó, Beiriz, Argivai e Formariz.
Havia depois a de Vila do Conde e a da Póvoa de Varzim.

Servindo-nos principalmente dos inquéritos do P.e Silos, vejamos o que se passava na da Junqueira.
Nela tinha o arcipreste um homem da maior confiança, o P.e João Gomes da Silva. Já se viu como o P.e Silos o avaliava: “a sua conduta moral, civil e política é a melhor possível, e sempre o foi; e quanto aos livros estão no melhor estado”.
Ele fora vítima das perseguições de D. Miguel, desde 28 de Outubro de 1828 a 30 de Março de 1834, quando a vitória liberal estava à vista. Pode até ter estado preso.
Regressado ao seu posto, parece ter sido particularmente expedito a pôr ordem nos párocos da palestra.
O vice-presidente era o pároco de Bagunte, um recuperado para o liberalismo, que fora foi suspenso (certamente pelo próprio pároco da Junqueira), entre 1834 e 1838, por afecto ao realismo; mas, em 1845, “a sua conduta moral, religiosa e política agora é boa”.
Sendo assim bons o presidente e o vice-presidente, analisemos o que por lá se passou.
O pároco de Balasar esteve expulso sete anos, entre 1834 e 1841.
O pároco de Rates “foi suspenso em 1838 por cismático e realista e reintegrado em 1843”.
O de Rio Mau deixou de paroquiar em 1834 (provavelmente por ter sido expulso).
O de Arcos, houve ordem para o expulsar, mas ninguém o quis substituir.
Em Santagões, ter-se-á passado algo ainda de mais grave: a freguesia foi anexada à Junqueira, o que pode ter correspondido a uma verdadeira vingança do presidente da palestra (o pároco de Santagões cessa a actividade no mês fatídico de Abril de 1834)[1].
Restam as pequenas paróquias do Outeiro Maior e Parada. Do pároco de Parada, que há poucos meses ocupava o lugar, afirma o P.e Silos “que tem boa conduta moral e civil, porque não sabe o que seja: na verdade é um nulo”.
Do do Outeiro Maior, diz que “a conduta moral, civil e política é boa porque não sabe o que isso é – na verdade é um perfeito idiota, mas bom cidadão”.
Pelo que conhecemos das actas da junta de paróquia do Outeiro Maior, a que este pároco presidiu, elas dão dele uma ideia muito favorável.
Nenhum pároco desta palestra terá sido poupado. E quais os crimes praticados? Ser desafecto a um regime que impusera um cisma à Igreja.
As informações que acabamos de reunir podem deixar de fora ainda factos relevantes: houve muitas mais humilhações, por exemplo, sobre sacerdotes que não eram párocos. Dum deles escreve o P.e Silos:

Foi um cismático acérrimo, e um realista atrevido – hoje é bom, por não poder ser mau; da sua conduta moral pouco poderei informar, contudo nada me consta; tem forças e aptidões para ser pároco, se por desgraça o nomearem.

Havia contudo uma palestra onde as coisas não agradavam ao arcipreste, era a de Touguinha. O vice-presidente, pároco de Argivai, destoava no rebanho. Ele arrasa-o assim: “a sua conduta moral é fanática, a civil malcriada, a política infame miguelino, cismático acérrimo”.
Mas não lhe bastou: propôs a supressão da freguesia: “o lugar de Quintela para Vila do Conde, os lugares de Gandra e Calvos para Beiriz e o lugar de Cassapos para Touguinha”. Isto é que seria cortar o mal pela raiz.
Quanto chamar malcriado ao pároco de Argivai, é caso para dizer: olha quem fala!
Não sabemos se o P.e Sacra Família teria alguma influência na atitude do pároco da sua terra.
Não analisámos o que se passou nas outras palestras, mas não se deve ter chegado aos extremos verificados na da Junqueira.
Imagens, de cima para baixo:
  • Porta principal da igreja do antigo Mosteiro de S. Simão da Junqueira.
  • Porta lateral da antiga igreja paroquial de Rio Mau.
  • Porta lateral da Igreja de S. Pedro de Rates.
[1] Conhecemos o caso duma paróquia que foi anexada em 1834 e que mais adiante também recuperou a sua independência. Do pároco dessa paróquia, não temos nenhuma indicação de que não cumprisse com as suas obrigações; do que provocou a anexação, sabemos que era um constitucional exaltado, que chegou a ser preso sob D. Miguel. Foi morto em 1838.

O abade Custódio José, de Touguinhó


O pároco de Touguinhó tinha grandes rendimentos e por isso a paróquia era cobiçada, como se deduz do célebre dito: "Em Touguinha estou, Tougues vejo, Touguinhó desejo". O abade Custódio José de Araújo Pereira, que fora afoito miguelista, temendo a perseguição, em 1834, ausentou-se para a sua terra natal. Na versão dum ex-voto conservado no Museu Municipal da Póvoa de Varzim e feito em honra da Santa Cruz de Balasar, as coisas foram menos pacíficas: em 1834, ele foi preso e puseram-no fora da sua abadia.
Em 1838, obteve autorização do Governo Civil para regressar a Touguinhó, mas o lugar estava ocupado pelo P.e Domingos da Soledade Silos – que tinha certa apetência por paróquias rendosas (em 1839 foi para a de Vila do Conde).
O P.e Custódio José só voltou à sua abadia em 1841. Do seu antecessor e parente, herdara uma muito grande fortuna e, "apesar de ter desbaratado muito dinheiro na causa miguelista, ainda assim continuou rico bastante, como pároco de Touguinhó, para mandar fazer uma igreja nova, como prometeu (…) em 9 de Dezembro de 1930" (Silva Rodrigues).

De acordo com o inquérito de 1825, transcrito pelo P.e Franquelim N. Soares, Custódio José residia em Touguinhó desde há 23 anos e era "de bom porte e distintos costumes".
Vinte anos mais tarde, o P.e Silos, no inquérito paroquial, depois de ter dito que o abade Custódio José tinha residido sempre em Touguinhó, "à excepção de seis anos, que esteve fora do benefício por ter dado donativos a D. Miguel, do qual foi sectário acérrimo", declara que a "sua conduta é boa, porque a sua idade e educação não o deixa ser mau".
Vindo de quem vem, isto é um notável elogio. Mas esqueceu-se de dizer que fora este abade que pagara a nova igreja paroquial e provavelmente também a grandiosa residência. Se é que não custeara antes a Ponte d’Este… pois quem a pagaria naquele ano de guerra civil que foi 1834?
(A inscrição que se lê na ponte e que a dá como obra do Estado não é de fiar. Que Estado? O que D. Miguel liderava ou o que liderava o seu irmão D. Pedro? E a guerra absorvia-lhes todo o dinheiro, que era pouco).
Segundo o P.e Franquelim N. Soares, o testamento deste abade, feito em 21 de Outubro de 1852, é "impressionante pela enorme riqueza e caridade cristã e reflecte bem a espiritualidade do seu tempo".

Imagens de cima para baixo:

  • Ex-voto de Bernardina Rosa à Santa Cruz de Balasar, que retrata o abade de Touguinhó.
  • Retábulo neoclássico da capela-mor da Igreja Paroquial de Touguinhó, que há-de espelhar a dedicação do abade Custódio José pela sua paróquia. O orago é S. Salvador… A tela da transfiguração parece-nos obra de pintor qualificado e talvez já romântico.
  • Fachada principal da mesma igreja, que o abade Custódio José construiu a expensas suas; data de 1842.
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