Há em Balasar um importante documento intitulado Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar. Data de 1834, o ano da vitória liberal contra D. Miguel e da extinção das Ordens Religiosas; o P.e Leopoldino Mateus estudou-o no Boletim Cultural Póvoa de Varzim. O documento tem no final a assinatura de António Pires de Azevedo Loureiro. Ora este nome é muito parecido com o dum seu contemporâneo e de muito triste memória na Arquidiocese de Braga, que foi o vigário capitular e se chamava Manuel Pires de Azevedo Loureiro. Que relação existirá entre os dois?
Provavelmente eram irmãos; certo é que eram naturais da freguesia de Moreira, no concelho viseense de Nelas. O Manuel veio a ser bispo de Beja.
Os historiadores da Igreja são muito duros, e com razão, para Manuel Loureiro. Vejam-se sobre ele alguns parágrafos de Fortunato de Almeida na História da Igreja em Portugal, vol. III:
Por carta régia de 2 de Abril de 1834 foi insinuado ao cabido [bracarense] que elegesse vigário capitular o Dr. Manuel Pires de Azevedo Loureiro [na altura nomeado pelo governo administrador temporal da diocese], prior da freguesia de Santo André de Lisboa, o qual efectivamente foi eleito no dia 15, apesar das observações feitas por alguns cónegos sobre a ilegitimidade de tal acto.
Em Braga não havia arcebispo desde 1827, por isso o cabido, órgão colegial constituído pelos cónegos da Sé, devia providenciar para que a diocese tivesse um responsável - um vigário capitular. Continuemos a citação:
Loureiro ia precedido da fama, talvez adrede improvisada, de homem recto e probo; “mas ele – diz um contemporâneo – encobria, com a capa de bondade, as mais desordenadas e destruidoras bases da sã moral, como pouco tempo depois se fizera patente”. […]
O governo de Loureiro de Azevedo em Braga foi uma série de prepotências e atropelos, em que nem ao menos se procurava salvar as aparências. No dia imediato àquele em que pela primeira vez entrou no paço arquiepiscopal, e antes de reunir o cabido para lhe conferir, embora contra direito, a jurisdição canónica, Loureiro chamou o secretário da câmara eclesiástica, Padre Custódio José de Araújo, a quem pediu todos os requerimentos que estivessem aguardando despacho. Poucas horas depois estavam expedidos todos os negócios pendentes. Suspendeu todos os clérigos que se tinham alistado no batalhão eclesiástico, e em seguida muitos outros por os considerar desafectos ao partido constitucional. Concedeu dispensas matrimoniais, sujeitas a multas a seu arbítrio impostas, e cujo produto se destinava a obras de beneficência, tudo em conformidade com os decretos de 1834. Em execução do decreto de 9 de Agosto de 1833, extinguiu os conventos de S. Frutuoso e Tibães.
Manuel Loureiro é um intruso – pois havia um vigário capitular legítimo – que se comporta como fiel e activo agente dum governo hostil à Igreja.
Em 23 de Dezembro de 1835, coloca António Loureiro como seu substituto (vigário capitular). Mas é um ano antes (19 de Dezembro de 1834) que se conclui a Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar.
Na citação de Fortunato de Almeida falava-se do Batalhão Eclesiástico. Tratou-se dum batalhão composto de eclesiásticos, organizado por ordem do vVigário capitular D. António da Cunha Reis, para manter a ordem em Braga, porque a força militar miguelista de Braga, à chegada das forças liberais, havia retirado para os acampamentos. Era comandante o Provisor do arcebispado e Arcediago de Barroso na Sé Primaz o Dr. José Firmino da Cunha Reis (Mons. José Augusto Ferreira).
De acordo com o P.e Silos, o pároco de Balasar, Manuel José Gonçalves da Silva, foi provido em 1833 e expulso em 1834. Como ele era muito jovem e foi Mestre de Moral em Braga, não é impossível que tenha sido também membro do Batalhão Eclesiástico. Mas pelo menos, quase de certeza, foi vítima dos saneamentos do vigário Manuel Loureiro. A data do último e único assento que aquele pároco escreveu nos livros de Balasar é contemporânea de tais saneamentos (30 de Abril de 1834). De facto o Mons. José Augusto Ferreira, ao referir os desmandos do vigário Manuel Loureiro já assinalados por Fortunato de Almeida, nas suas Memórias para a História dum Cisma e nos Fastos Episcopais da Sé Primacial de Braga, menciona explicitamente “a demissão de muitos párocos e cónegos bem como a suspensão de outros”.
Estamos no ano terrível da revolução e a ver efeitos que ela teve por cá.
Imagens a contar de cima:
- Manuel Loureiro como bispo de Beja.
- Assinatura de António Loureiro.
- Retrato de Mons. J. A. Ferreira.
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