Vila do Conde e Póvoa de Varzim eram em 1834 dois pequenos concelhos, cada um confinado à sua freguesia; nela ficava o reduzido núcleo urbano, a que acrescia também alguma dimensão rural. Foram os setembristas quem mais adiante refez a divisão administrativa do país e lhes atribuíram uma área próxima da que hoje possuem.
Razões várias nos têm levado a procurar informação sobre o que se passou nestes concelhos ao tempo do dificílimo período da revolução liberal. O que até ao momento pudemos apurar é o que vai abaixo.
De Vila do Conde, consideramos apenas a parte a norte do Ave.
Perspectiva global
Sobretudo as pessoas de mais idade têm algum conhecimento vivido das últimas revoluções acontecidas no nosso país: a do 25 de Abril, a da Ditadura a que o Estado Novo sucedeu, a da República.
Quando se fala de revolução, convém distinguir dois aspectos, a substituição do grupo político dirigente e as transformações que o novo pensamento impõe às instituições e que acaba por ter um profundíssimo impacto na vida prática e na mentalidade das pessoas.
Certamente os livros camarários e mesmo paroquiais aqui das redondezas conservam memórias de muitos acontecimentos ligados à revolução liberal, mas não os conhecemos. Quando nos referimos a livros paroquiais, estamos a pensar num estudo que fizemos e para o qual lemos o que havia no arquivo paroquial duma pequena paróquia e por isso sabemos como essa informação pode ser significativa.
Veja-se uma pequena lista de memórias da revolução liberal facilmente identificáveis na área de Vila do Conde a norte do Ave e no concelho da Póvoa: o padrão dos Mindeleiros junto ao castelo vila-condense, que assinala a tentativa de desembarque da frota liberal; os mosteiros desactivados de Santa Clara e do Carmo, também em Vila do Conde, e ainda o Convento de S. Francisco na mesma situação, que lembram a extinção das Ordens Religiosas; em Touguinhó, que é importante para este caso, a igreja paroquial e a antiga residência, bem como a ponte d’Este; em Balasar, a capela do Senhor da Cruz.
Há alguns homens deste período que se devem referir: o P.e Domingos da Soledade Silos tem um lugar de primeira importância, o P.e Sacra Família, embora não andasse por cá, também merece ser mencionado; dois outros padres merecem referência particular, o de Touguinhó e o da Junqueira. Mas há vários outros párocos que não é possível ignorar. O Visconde de Azevedo, que na altura já casara com uma poveira, não pode ser esquecido.
Só para dar uma ideia inicial do que se passou, veja-se como o P.e Domingos da Soledade Silos (o que fez o registo de baptismo de Eça de Queirós) avaliou em 1845 o pároco de S. Simão da Junqueira. Depois de dizer que ele se chamava João Gomes da Silva, acrescenta diversos pormenores que para o nosso caso não interessam; por fim, afirma peremptoriamente:
A sua conduta moral, civil e política é a melhor possível, e sempre o foi; e quanto aos livros estão no melhor estado.
Compare-se porém esta avaliação com o que escreveu um padre visitador em 1825, sobre o mesmo pároco: “é pároco de muito mau porte e amigo da desordem. Frequentou Filosofia, Teologia e Retórica”.
E justifica: […] reside há 5 anos provido por apresentação do dito Il.mo Bento José Rodrigues e D. Ana Eufrásia, a quem o dito pároco tem sido ingratíssimo, pois umas vezes, nos dias festivos, diz a missa no altar do Sacramento, que fica ao lado esquerdo da igreja, donde do coro se não vê o sacerdote; outras vezes vem dizê-la a um dos últimos altares que fazem alas pela igreja, para que a família ilustre daquela casa não veja do coro o sacerdote; tudo com o fim de se «bandijar» (bandear) aquela ilustre família a quem deve o ser pároco, deixando de dizer missa no altar maior […].
Não é possível conciliar as duas avaliações, a de 1825 com a de 20 anos mais tarde. As paixões políticas cegam as pessoas, e o P.e Domingos da Soledade Silos deixou que a sua paixão se sobrepusesse aos seus deveres de sacerdote respeitador do bom senso e da verdade – traço que é notório na sua vida.
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A mensagem abaixo, enviada em Junho de 1839 pelo administrador do concelho da Póvoa de Varzim ao "Ilustríssimo Sr. Comandante da força estacionada em Terroso", mostra-nos que se viveram por lá momentos de agitação; não é impossível que entre os soldados estivesse o futuro escritor Camilo Castelo Branco, uma vez que ele conta que passou algum tempo nas redondezas.
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A mensagem abaixo, enviada em Junho de 1839 pelo administrador do concelho da Póvoa de Varzim ao "Ilustríssimo Sr. Comandante da força estacionada em Terroso", mostra-nos que se viveram por lá momentos de agitação; não é impossível que entre os soldados estivesse o futuro escritor Camilo Castelo Branco, uma vez que ele conta que passou algum tempo nas redondezas.
Ilustríssimo Sr.
Comandante da força estacionada em Terroso
Como a freguesia
de Terroso, onde se V. Senhoria se acha com a força de seu comando, esteja em
prefeito sossego, rogo a V. Senhoria a graça de ir aquartelar-se à freguesia de
Rates, no dia 25 do corrente até que se conclua o tempo que lhe for ordenado
para esta diligência.
Espero que me
avise quando tencionar mandar o preso a fim de eu lhe remeter os papéis que o devem
acompanhar.
Deus guarde V.
Senhoria.
Administração do
Concelho da Póvoa de Varzim, 24 de Junho de 1839.
Imagens a contar de cima:
- Padrão dos Mindeleiros, em Vila do Conde, junto ao mar e ao Castelo.
- Inscrição do mesmo padrão.
- Pormenor (frontão) da fachada sul do Mosteiro de S. Clara.
- Ponte d'Este, em Touguinhó, datada de 1834.
- Data na mesma ponte.
- Reconstituição da fachada da Capela da Santa Cruz de Balasar, feita nos 175 anos da sua aparição.