A Santa Cruz de Balasar
O estudo da história da freguesia de
Balasar proporcionou-nos conhecimento de várias fontes onde se pode colher
informação sobre o momento da aparição da Santa Cruz. É uma longa e não acabada
investigação que aqui se conjuga com as fontes conhecidas.
Começamos em 1830, quando se iniciou a renovação
do Tombo da Comenda, e terminamos em 1841, ano do fim oficial do cisma trazido
pelo liberalismo e do regresso do reitor expulso.
O Tombo da
Comenda
A renovação do Tombo da Comenda de
Balasar estava determinada desde 1825, mas só em 1830, com os liberais expulsos
de Portugal e D. Miguel no poder, é que foi posta em execução.
Para o presente caso, esta renovação que,
embora tenha decorrido principalmente em 1830, só teve o seu termo em 1833, fala-nos
de muitas pessoas da freguesia activas ao tempo da aparição da Santa Cruz,
nomeadamente do pároco e do cura. Mencionam-se também os donos da Quinta de D.
Benta, que já eram os futuros Viscondes de Azevedo, António José dos Santos,
etc.
A primeira informação aos balasarenses
sobre a renovação do tombo teve lugar em 16 de Fevereiro, quando se fixou na
porta da igreja o edital a anunciar que iam começar as diligências respectivas.
O tombo mostra-nos Balasar ainda integrada
no grande concelho de Barcelos, a poucos anos de transitar para o da Póvoa de
Varzim.
O reitor chamava-se António José de
Azevedo e era pároco desde Novembro de 1823; este reitor deixa de assinar os
assentos paroquiais em fins de Agosto de 1832, logo a seguir ao desembarque do
Mindelo e à aparição da Santa Cruz. A data do fim da sua actividade é um
pouco suspeita. Terá ele sido vítima de expulsão?
Quando, em 1828, D. Miguel assumiu o
governo, muitos sacerdotes das vizinhanças das sedes dos concelhos acorreram a
assinar a acta em que se lhe dava apoio. O P.e António José de Azevedo também
deve ter ido a Rates, mas não se conserva tal documento.
A mais antiga
notícia sobre a Santa Cruz de Balasar e a “espécie de capela” que então se
construiu
A mais antiga notícia sobre a Santa Cruz
de Balasar, datada de 6 de Agosto de 1832, mês e meio após a aparição no dia
do Corpo de Deus, é a exposição dirigida pelo reitor António José de Azevedo à
autoridade eclesiástica de Braga. Dividimo-la aqui em quatro fragmentos:
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Notícia da
aparição
Dou parte a Vossa Excelência de um caso
raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar.
No dia de Corpo de Deus próximo
pretérito, indo o povo da missa de manhã em um caminho que passa no monte
Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a terra que demonstrava esta
cruz era de cor mais branca que a outra: e parecia que, tendo caído orvalho em
toda a mais terra, naquele sítio que demonstrava a forma da cruz não tinha
caído orvalho algum.
Mandei eu varrer todo o pó e terra solta
que estava naquele sítio; e continuou a aparecer como antes no mesmo sítio a
forma da cruz. Mandei depois lançar água com abundância tanto na cruz como na
mais terra em volta; e então a terra que demonstrava a forma da cruz apareceu
de uma cor preta, que até ao presente tem conservado.
A haste desta cruz tem quinze palmos de
comprido e a travessa oito; nos dias turvos divisa-se com clareza a forma da
cruz em qualquer hora do dia e nos dias de sol claro vê-se muito bem a forma da
cruz de manhã até as nove horas e de tarde quando o sol declina mais para o
ocidente, e no mais espaço do dia não é bem visível.
Reacções
populares e milagres
Divulgada a notícia do aparecimento
desta cruz, começou a concorrer o povo a vê-la e venerá-la; adornavam-na com
flores e davam-lhe algumas esmolas; e dizem que algumas pessoas por meio dela
têm implorado o auxílio de Deus nas suas necessidades e que têm alcançado o
efeito desejado, bem como: sararem em poucos dias alguns animais doentes;
acharem quase como por milagroso animais que julgavam perdidos ou roubados e
até algumas pessoas terem obtido em poucos dias a saúde em algumas enfermidades
que há muito padeciam. E uma mulher da freguesia da Apúlia, que tinha um dedo
da mão aleijado, efeito de um penando que nela teve, tocando a Cruz com o dito
dedo, repentinamente ficou sã, movendo e endireitando o dedo como os outros da
mesma mão, cujo facto eu não presenciei, mas o atestam pessoas fidedignas que
viram.
Enfim, é tão grande a devoção que o povo
tem com a dita cruz que nos domingos e dias santos de guarda concorre povo de
muito longe a vê-la e venerá-la, fazem romarias ora de pé ora de joelhos em
volta dela e lhe deixam esmolas; e eu nomeei um homem fiel e virtuoso para
guardar as esmolas.
Ideia duma
“espécie de capela”
Querem agora alguns moradores desta
freguesia com o dinheiro das esmolas se faça, no sítio onde está a cruz, como
uma espécie de capela cujo tecto, coberto de tabuado, seja firmado em colunas
de madeira e em volta cercado de grades também de madeira, para resguardo e
decência da mesma cruz e, dentro e defronte da cruz descrita na terra, pôr e
levantar outra cruz feita de madeira, bem pintada, com a Imagem de Jesus Crucificado
pintada na mesma cruz.
Opinião do
signatário
Eu não tenho querido anuir a isto sem
dar a Vossa Excelência parte do acontecido e mesmo em fazer a sobredita obra
sem licença de Vossa Excelência, persuadido que nem eu nem os moradores da
freguesia temos autoridade para dispor a nosso arbítrio do dinheiro das
esmolas, que por agora ainda é pouco e não chega para se fazer obra mais
dispendiosa e decente à proporção do objecto.
Agora sirva-se Vossa Excelência
determinar o que lhe parecer e o que eu devo praticar a este respeito.
Santa Eulália de Balasar, aos seis dias
do mês de Agosto de mil oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito o mais
reverente,
O Reitor António José de Azevedo.
Em Braga, quiseram ouvir a opinião do
pároco de Gondifelos (que pelo nome parece irmão do de Balasar):
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Em observância da determinação de Vossa
Excelência fui à freguesia de Balasar observar a mencionada cruz, o que eu já
há tempos tinha feito de meu voto próprio, e acho que ela continua a aparecer,
posto que menos clara do que então a vi.
Tem sido muito grande o concurso de povo
para a ver, vindo de terras distantes; e, se ela continuar a existir de forma
que se não desvaneça, me parece que virá a ser objecto de grande veneração; e
no entanto sempre me merece algum culto ao menos.
O que o Reverendo (reitor de Balasar) representa a Vossa Excelência é quanto se me
oferece dizer a Vossa Excelência, que determinará o que for servido.
Gondifelos, oito de Agosto de mil e oito
centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito Reverente –
o Abade Manuel José de Azevedo
E
ao quarto dia, 9 de Agosto, veio a autorização:
Concedo a licença pedida, ficando a
cargo do Reverendo representante o evitar qualquer culto supersticioso que
possa haver da parte do povo ignorante.
Braga, nove de Agosto de mil e oito
centos trinta e dois.
Com
a rubrica do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Vigário capitular
A situação política era instável, embora
D. Miguel ainda se sentisse bastante seguro (o irmão, com os liberais, estava
cercado no Porto). Isso, a evidência de se estar perante uma aparição autêntica
e a grande afluência de populares hão-de ter concorrido para acelerar a decisão
do vigário capitular.
Pelos vistos, na “espécie de capela”
originalmente pensada e que era coberta mas não fechada, não se previa
celebrar a Santa Missa. A enxurrada de inverno é que terá levado a fechar o
espaço para que a água não apagasse tudo.
É curioso que já se chamasse Calvário ao
remate daquele morro que vem da Caminho Largo e ali desce em forte declive para
o rio. Parece que o povo ia de Missa, isto é, já ali tinha passado. Custódio
José da Costa, que foi o primeiro a ver a cruz, era do Lousadelo.
A ponte de D. Benta, que era de pedra e
ficava a poucos metros, ruíra cerca de dez anos antes. No arquivo municipal há
um documento do administrador, datado de 1843, que é um “Mapa geral das pontes
existentes no Concelho da Póvoa de Varzim” e que contém uma informação muito
completa sobre ela: tinha de cumprimento cerca de quinze metros e de largura
quatro. O seu tabuleiro assentava sobre três arcos de volta inteira: o arco do
meio tinha de vão cerca de quatro metros e os dois dos lados iam além de três.
Era certamente mais curta que a ponte
d’Este em Touguinhó, mas devia ser parecida (eram ambas do concelho de
Barcelos).
Custódio José da Costa refere-se uma vez
à Santa Cruz da Ponte para significar a Santa Cruz Aparecida.
A pequena capela que hoje existe, em
pedra, não corresponde à construção autorizada. Ela tem na frente, sobre a
porta, a data de 1832, mas no degrau do pequeno altar lê-se (?) a de 1833, que é parte
duma inscrição mais extensa que, segundo o P.e Leopoldino Mateus, contém estes
dizeres:
O.M.F.P.
J.F.C.D.S.
D.P.A.S.D.
EM. 1833
A nosso ver, a primeira linha diz “Obra
Mandada Fazer Por”. Se isto for verdade, nas duas linhas seguintes estarão as
iniciais dos nomes dos benfeitores.
Muitos anos antes, Manuel Nunes
Rodrigues, o marido de D. Benta, começou assim a inscrição da sua lápide
funerária: "Esta capela e sepultura mandou
fazer..." E também concluiu com a indicação do ano. A exposição do P.e
António José de Azevedo já utiliza a palavra obra.
A autorização para a sua construção foi
dada ainda ao tempo do P.e António José de Azevedo e da legitimidade
hierárquica em Braga.
Carta de
Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada
na freguesia de Santa Eulália de Balasar
A Carta de Sentença é um documento precioso,
importantíssimo para o estudo da história da Santa Cruz. Lida porém com alguma
atenção, verifica-se que contém este estranho erro: entre os documentos que justificam
a licença dada em 1832 para construir a pequena capela hoje existente, constam três
de 1834...
Ela abre, conforme o costume do tempo,
com uma longa tirada em que o provisor se assume como a pessoa habilitada para
decidir o que está em causa. Depois, vem a petição de Custódio José da Costa e
outros: pedem autorização para construir uma capela:
Excelentíssimo
e Reverendíssimo Senhor
Diz Custódio
José da Costa e outros mais devotos da freguesia de Santa Eulália de Balasar
do termo de Barcelos deste Arcebispado Primaz que são devotos da Santa Cruz de
Jesus Cristo que, para avivar a fé amortecida no coração de alguns cristãos, se
dignou aparecer nesta mesma freguesia; fizeram contrair (sic) uma espécie de oratório para veneração
daquele milagre, precedendo a licença junta; acontece porém ser muita a
influência de devotos que ali concorrem agradecidos aos milagres que a misericórdia
divina se digna obrar por intercessão daquela maravilhosa aparição; seria de
muito serviço de Deus construir ali uma capela com altar onde se pudesse
oferecer o sacrifício incruento do Nosso Salvador para satisfação das Missas
que os mesmos devotos ofertam; e por isso pede a Vossa Excelência
Reverendíssima haja por bem conceder-lhe a licença pedida, e receberá mercê.
Esta
petição não é datada, mas como a resposta foi dada em 5 de Julho de 1834,
pode-se supor que fora apresentada alguns dias antes.
A
afluência de devotos continua a ser muita.
É aqui que pela primeira vez vem o nome
de Custódio José da Costa. No documento do pároco de dois anos antes, ele
estava lá mas não identificado pelo nome.
A “espécie de capela” de antes passa
agora a ser “uma espécie de oratório”.
A partir deste momento, a Carta de
Sentença regista os diversos passos burocráticos que foi preciso percorrer.
Antes
de deferir a pretendida licença, convém que o Reverendo Pároco de Gondifelos ou
outro vizinho informe sobre a necessidade da capela que se pretende edificar e
a quantidade das esmolas que se juntam e se com elas se poderá no futuro
constituir um fundo para a sua conservação, ouvindo por escrito o Reverendo
Pároco próprio, para se saber se com ele se prejudicarão os seus direitos e
servirá de embaraço para o povo deixar de concorrer à Igreja Paroquial.
Em face do parecer, o Vigário Capitular
proferiu esta portaria, datada de 22 de Julho de 1834:
Autuada
na Câmara; passe ordem de informe ao Reverendo Pároco em cujo distrito se
pretende formar oratório ou construir capela, assim como aos Reverendos
Párocos circunvizinhos com a resposta do Reverendo Desembargador-Promotor.
Após elas, vinha a célebre informação dada em 1832 pelo pároco António José de
Azevedo, onde se requer autorização para construir um oratório, que é antes de
mais uma protecção da Cruz aparecida. Na altura, depois de pedida uma
informação ao pároco de Gondifelos, deferiu-se o pedido.
O redactor confundiu duas coisas
diferentes, a licença para construir a primeira capela (concedida em 1832, sob
autoridade legítima) e a licença para construir a segunda, concedida em 1834,
sob autoridade cismática. O “património da
Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de
Balasar” diz respeito à segunda.
O documento conclui com a assinatura do
provisor cismático.
O país em cisma
Nos últimos 200 anos houve em Portugal
várias revoluções. A primeira delas foi a liberal, a mais dolorosa de todas,
com períodos de grande violência e, no final, de guerra civil. Além disso, a
agitação prolongou-se por um largo período e só terminou na Primavera de 1834
com a vitória dos liberais, comandados por D. Pedro, sobre os absolutistas ou
miguelistas, comandados por D. Miguel.
A primeira preocupação dos liberais
vitoriosos não foi a pacificação do país, que estava dividido, mas a de lhe
impor o seu projecto político, sabendo bem que iriam enfrentar grande
resistência popular.
No ano da vitória, atiçaram a fogueira
das paixões ao promulgarem a extinção das Ordens Religiosas, ao colocarem à
frente das dioceses sacerdotes que lhes eram fiéis mas que a Santa Sé não
reconhecia, encerrando os seminários, tomando para si o direito de regular as
côngruas dos párocos, etc. O país mergulhou em cisma.
No arciprestado actualmente dito de Vila
do Conde e Póvoa de Varzim, foram extintos dois conventos, o de S. Francisco,
em Vila do Conde, e o Hospício do Carmo ou Convento do Carmo, também em Vila do
Conde. Na Azurara também encerrou um convento franciscano. O Mosteiro de S.
Clara, por ser feminino, ficou impedido de receber noviças, com extinção a
prazo, por morte lenta.
A autoridade eclesiástica bracarense
intrusa, ilegítima, logo nesse ano de 1834, expulsou por cá alguns párocos,
caso do de Balasar e do de Touguinhó, mas com certeza ainda outros, e fez
anexar a paróquia de Santagões à da Junqueira. O pároco desta freguesia, o P.e
João Gomes da Silva, devia ser o sacerdote mais notoriamente liberal das redondezas,
a ponto de em tempo de D. Miguel ter sido suspenso. Após a vitória liberal, deu
procuração a um amigo para assinar em seu nome, em Barcelos, a aclamação de D.
Maria II e a aceitação da Carta Constitucional; a partir daí, deve-se ter visto
como um avançado, um herói. Pode ter tido intervenção na expulsão do pároco de
Balasar e de outros. Chegou a ser arcipreste[1].
A partir deste ano, em Portugal toda a
gente era cismática. As autoridades
intrusas nas dioceses e os párocos que nomeavam eram cismáticos porque não eram
reconhecidos pela Santa Sé. Os governantes liberais, de inspiração maçónica,
eram cismáticas porque cortaram com a Santa Sé, expulsaram o núncio apostólico,
promoveram autoridades eclesiásticas ilegítimas, extinguiram as Ordens Religiosas,
etc. As autoridades locais, municipais, por exemplo, eram cismáticas porque
estavam ao serviço dos cismáticos e partilhavam ou pelo menos divulgavam os
seus pontos de vista.
E que se passava com os sacerdotes e com
os fiéis que faziam tudo o que lhes era possível para continuarem fiéis a uma
autoridade religiosa legítima? Eram declarados cismáticos pelos liberais.
A palavra tinha então dois sentidos, um
autêntico – os liberais eram cismáticos – e um abusivo – quem resistia às
prepotências dos liberais era declarado cismático.
Naquele tempo, certamente devido às
dificuldades de deslocação e por serem muitos os sacerdotes, eles reuniam-se em
cinco círculos de palestra. Estes chegaram a ser todos, ou quase todos,
dominados por apoiantes do cisma.
Os padres cismáticos tinham uma
apetência clara por paróquias ricas. Quando os párocos de Rates e de Terroso[2]
foram suspensos e substituídos, em 1838, essa foi com certeza também uma razão
que pesou.
O pároco de Arcos, que uma norma do
tempo permitia expulsar logo em 1834, nunca foi substituído: a paróquia tinha
um rendimento pequeno…
Ao contrário, o pároco de Touguinhó, que
tinha um rendimento muito grande, foi rapidamente expulso. Há um ex-voto à
Santa Cruz de Balasar que guarda memória desta expulsão. Quando regressou, em
1841, pagou a igreja nova de Touguinhó, que tem na frente a data de 1842. E
ainda ficou muito rico.
Nas Memórias
para a história de um cisma, do Mons. José Augusto Ferreira, que paroquiava
Vila do Conde quando a Alexandrina lá fez a confirmação, a páginas 502-3,
escreveu sobre este cisma:
Na diocese de Braga, que abrange todo o
Minho (até à criação da diocese de Viana)
e parte de Trás-os-Montes (até à
criação da diocese de Vila Real), foi onde o scisma alimentado pelas
dissenções politicas tomou proporções pavorosas.
Os actos religiosos eram celebrados
furtivamente pelas casas particulares; os fieis mais escrupulosos retiravam-se
dos templos na occasião em que alguns sacerdotes elevavam a Hóstia sagrada á
adoração publica; aos parochos de novo colados ou encommendados era-lhes negada
a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder civil; n'uma palavra, as
coisas chegaram a tal ponto que as janellas d'algumas casas, quer nas cidades,
quer nas aldeias, fechavam-se quando alguns sacerdotes novamente nomeados
parochos conduziam o sagrado Viatico aos enfermos; finalmente os padres, que
não obedeciam ao Vigário Capitular, recusavam assistir aos actos religiosos com
os demais ecclesiasticos.
Muito do que aqui diz verificou-se na
paróquia de Rates e em parte na de Terroso. Na de Rates as pessoas recusavam-se
a levar as crianças a baptizar à igreja paroquial e até num ou noutro caso
celebravam o matrimónio em casas particulares. Em razão desta resistência face
ao pároco cismático, um regedor foi preso por crime de cisma, o regedor
seguinte foi ameaçado de suspensão, veio tropa para a vila duas ou mais vezes,
etc.[3]
Não temos conhecimento do que se passou
noutras freguesias, embora, como se verá, na de Balasar se perceba que há
demorados desentendimentos com o pároco substituto.
A expulsão
do pároco de Balasar
Em finais de 1833, foi colocado em
Balasar um jovem pároco, o P.e Manuel José Gonçalves da Silva. Como já se disse, foi expulso no ano
seguinte “por motivo ter sido mercê no tempo da usurpação”. As nomeações feitas
em tempo de D. Miguel não eram reconhecidas pelas novas autoridades.
O P.e Manuel José Gonçalves da Silva tinha sido mestre de Moral, em Braga.
Se calhar também pertenceu ao chamado Batalhão Eclesiástico…[4]
Conhece-se um assento de casamento de
Abril de 1834 com a sua assinatura. Num outro, anterior, de Fevereiro,
menciona-se a “comissão do Reitor”, que era dele. Regressará em 1841, quando o
governo liberal reatpu relações com a Santa Sé.
A “Carta de
Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada
na freguesia de Santa Eulália de Balasar”, que data de 27 de Novembro de 1834,
foi proferida por um provisor intruso, o Dr. António Pires de Azevedo
Loureiro. Note-se contudo que ela tem em vista um objectivo prático, sem
implicação doutrinal: visa apenas garantir o património da Capela da Santa Cruz.
A
segunda capela
A licença
para construir a segunda capela foi pedida por Custódio José da Costa e outros
devotos. Já havia “uma espécie de oratório”, que era a capela anterior. Embora
sem data, a petição deve vir do fim de Junho de 1834 uma vez que o vigário capitular
começa a deferir no início de Julho.
Excelentíssimo e Reverendíssimo
Senhor
Diz Custódio José da Costa e outros
mais devotos da freguesia de Santa Eulália de Balasar do termo de Barcelos
deste Arcebispado Primaz que são devotos da Santa Cruz de Jesus Cristo que,
para avivar a fé amortecida no coração de alguns cristãos, se dignou aparecer
nesta mesma freguesia; fizeram contrair
[sic] uma espécie de oratório para veneração daquele milagre, precedendo a
licença junta; acontece porém ser muita a influência de devotos que ali
concorrem agradecidos aos milagres que a misericórdia divina se digna obrar
por intercessão daquela maravilhosa aparição; seria de muito serviço de Deus
construir ali uma capela com altar onde se pudesse oferecer o sacrifício
incruento do Nosso Salvador para satisfação das Missas que os mesmos devotos
ofertam; e por isso pede a Vossa Excelência Reverendíssima haja por bem
conceder-lhe a licença pedida, e receberá mercê.
A esta
petição dirigida ao vigário capitular deu o desembargador-promotor o seguinte
parecer, datado de 5 de Julho:
Antes de deferir a pretendida
licença, convém que o Reverendo Pároco de Gondifelos ou outro vizinho informe
sobre a necessidade da capela que se pretende edificar e a quantidade das
esmolas que se juntam e se com elas se poderá no futuro constituir um fundo
para a sua conservação, ouvindo por escrito o Reverendo Pároco próprio, para se
saber se com ele se prejudicarão os seus direitos e servirá de embaraço para o
povo deixar de concorrer à Igreja Paroquial.
Em face do
parecer, o Vigário Capitular proferiu esta portaria, em 22 de Julho:
Autuada na Câmara; passe ordem de
informe ao Reverendo Pároco em cujo distrito se pretende formar oratório ou
construir capela, assim como aos Reverendos Párocos circunvizinhos com a
resposta do Reverendo Desembargador-Promotor.
A informação
do abade de Gondifelos foi concebida nestes termos:
Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor
Da Capela que se pretende edificar
não há a maior necessidade, porque fica muito próxima a Igreja Matriz, mas é
para satisfazer a devoção dos povos que mostram grande desejo que as Missas
para que dão as suas esmolas se digam em Capela própria e não na Igreja aonde
se vão satisfazer. O rendimento das esmolas é incerto porque uns domingos é
maior, outros menor, mas por uma razoável computação se poderá julgar que se
apurará meia moeda cada mês, mas há um devoto que lhe quer estabelecer quatro
medidas à maneira de outras capelas das freguesias circunvizinhas que foram
fundadas com o mesmo património.
É quanto posso informar a Vossa
Senhoria, que determinará o que for servido.
Gondifelos, quatro de Agosto de mil
e oito centos trinta e quatro.
De Vossa Senhoria Súbdito Reverente
- o Abade Manuel José de Azevedo
Por sua vez,
o reitor de Macieira de Rates informou deste modo:
Excelentíssimo e Reverendíssimo
Senhor
A Capela que na súplica de Custódio
José da Costa e de outros devotos da freguesia de Santa Eulália de Balasar é
mencionada para se edificar é pouco distante da Igreja Paroquial da mesma
freguesia, mas sim muito útil à devoção dos fiéis que de muito longe concorrem
a visitar satisfazer seus votos e é frequente e numeroso o concurso.
Dizem-me que o rendimento mensal
regula por dois mil e quatro centos réis; e o devoto Custódio José da Costa se
presta à segurança de quatro medidas anualmente. É isto o que posso informar, e
Vossa Excelência mandará o que for servido.
Em Santo Adrião de Macieira, sete de
Agosto de mil e oito centos trinta e quatro.
De Vossa Excelência Reverendíssima o
mais atento e reverente Súbdito - o Reitor José Joaquim Soares da Costa
Confirmando
as informações dos párocos de Gondifelos e de Macieira de Rates, o pároco de
Balasar enviou ao prelado esta informação:
Excelentíssimo e Reverendíssimo
Senhor
Os primeiros informantes disseram o
mesmo que eu diria se primeiro informasse, pois a Capela que pretendem erigir
fica algum tanto próxima a Igreja Matriz e nesta razão não tira que o povo
venha a Paróquia. Além disto, o povo, todo aquele que vem trazer Missas, de
seus votos clama que não fica satisfeito não se dizendo em o mesmo sítio; e eu
mesmo tenho dito na Igreja grande número delas e parece não ficarem gostosos em
ver que se não dizem em o próprio sítio da aparição da Cruz.
Quanto ao rendimento sou informado
que é incerto, porém que pouco mais ou menos andará por dois mil e quatro
centos, ora mais ora menos, cada mês. Portanto não impugno se construa a dita
capela para viva fé com concurso do povo e para satisfação dos suplicantes que
até um deles se presta, zeloso da mesma e para maior veneração e culto, lhe
oferece quatro medidas perpétuas, pelo exemplo que tem em outras
circunvizinhas, e como não prejudicará os direitos paroquiais, porque estes
sempre se devem conservar ilesos.
É o que pode informar a Vossa
Excelência quem é deveras Súbdito Reverente e menor criado - o Pároco actual,
Domingos José de Abreu
Estes
documentos fizeram o processo encaminhar-se para o fim:
Juntem a escritura por onde o devoto
Custódio José da Costa se obrigue a prestação anual das quatro medidas a que
se oferece para sustentação e conservação da Capela.
O resto da sentença tem todo relação com
a doação de Custódio José da Costa.
O P.e Domingos
José de Abreu
Durante o breve período que medeia entre
a saída do P.e António José de Azevedo e a entrada ao serviço do P.e Domingos
José de Abreu[5],
quem redigiu os assentos foi o cura António José da Silva, como encomendado.
O P.e Domingos José de Abreu, que já
residia na freguesia desde há alguns anos, paroquiou a freguesia desde fins de
1834 até ao regresso do reitor Manuel José Gonçalves da Silva.
É o pároco do tempo das obras da segunda
capela da Santa Cruz e do começo da Junta de Paróquia, do Regedor, do Juiz
Eleito... Lidou muito de perto com Custódio José da Costa.
Em 1845, paroquiava Rio Mau. Segundo o
P.e Silos, a sua política era a do
catavento: isto é, nem se terá assumido abertamente como cismático nem terá
afrontado os cismáticos.
A palestra da
Junqueira
Desde meados do século XVIII, os párocos
da diocese de Braga e outros sacerdotes seculares reuniam-se (e reúnem-se) num
encontro mensal chamado palestra. Em 1845, Balasar integrava-se no círculo da
palestra de S. Simão da Junqueira, conjuntamente com Rates, Arcos, Rio Mau,
Bagunte, Outeiro Maior, Parada e Santagões.
Destas freguesias só S. Simão da
Junqueira e Bagunte é que se vieram a integrar a partir de 1837 no concelho de
Vila do Conde.
Em 1838, o pároco de Bagunte, que foi
vice-presidente da palestra, actuou face a certos paroquianos de um modo tal
que o administrador do concelho, que fala dele como “indigno pastor”, o acusou
ao Vigário Capitular. Este, porém, protegia-o e nada lhe sucedeu. De semelhante
protecção gozou o pároco de Terroso. Mas o regedor desta paróquia poveira
decidiu fazer justiça por conta própria e deu-lhe uma sova, fora da área do
concelho (em área do de Vila do Conde). Pois ainda assim o Vigário Capitular
promoveu-o a arcipreste, mas com a condição de prestar juramento perante o
administrador do concelho. Só que o administrador negou-se a deferir-lhe o
juramento por o considerar “insuficiente pároco” (inapto por isso para
arcipreste) e um mês depois foi nomeado outro arcipreste, creio que o pároco de
S. Simão da Junqueira. Isto leva-nos a supor que quem estivesse de bem com o
Vigário Capitular e defendesse abertamente o regime tinha um protecção que de
modo nenhum possuía quem não alinhasse com ele. Para estes a ameaça de
suspensão andaria sempre por perto.
Mudanças
Custódio José da Costa, no início da
década de quarenta, ainda usa o nome das autoridades paroquiais antigas,
“homens do acordo”, para se referir às novas. Entre 1834 e 1836 já tinha havido
alterações, com a criação do comissário (correspondendo talvez ao posterior
regedor) e do juiz de paz.
Contudo vão ser os setembristas, com a
adopção da Constituição de 1821 e a reorganização administrativa do país, que
vão introduzir maiores e mais duradouras mudanças, que se tornam efectivas a
partir de 1837, passando Balasar a integrar-se no concelho da Póvoa de Varzim.
Em 16 de Abril, houve eleições para a
Junta e Regedor. Outras, como a do Juiz Eleito, do Juiz de Paz, da câmara e
administrador ocorreram mais tarde (as pessoas foram chamadas a votar muitas
vezes ao longo desse ano).
Integrada a freguesia num concelho de
pequena dimensão e principalmente devido à nova orgânica da administração
local, passa a produzir-se e a guardar-se uma quantidade de documentação que
não tinha paralelo antes. Dela nos socorreremos.
Custódio José da
Costa chamado a apresentar contas
O P.e Leopoldino transcreve um excerto
duma acta da Junta de Paróquia de Balasar[6]
com data de 4 de Maio de 1837. Esta junta era a primeira da freguesia e fora
eleita poucos dias antes. Que pressa tinham de incomodar o benemérito Custódio
José da Costa! Deliberaram eles:
… sendo do seu dever tomar conta do
rendimento de uma capela desta freguesia no lugar do Calvário e intitulada do
Senhor da Cruz, que administrava o Custódio José da Costa da mesma freguesia;
nomeamos para tesoureiro da mesma capela Custódio José da Costa para este dar
contas a esta Junta no prazo de oito dias, com pena de pagar a multa que a lei
lhe determinar e não dispor de rendimentos alguns sem ordem desta Junta, assim
como de missas e outros mais rendimentos que devem ser ditas na mesma capela.
A pressa deles era por causa do dinheiro,
mas pelos vistos tiveram de esperar mais de meio ano, como informa o mesmo P.e
Leopoldino:
Aquela entidade tomou contas ao
administrador da capela em sessão de 21 de Janeiro do ano seguinte e neste
mesmo acto nomeou uma comissão para servir o Senhor da Cruz, constituída por
dois administradores, dois zeladores e um escrivão. O escrivão era Manuel
Fernandes da Silva Campos.
Uma
ponderosa reclamação
Em 9 de Junho deste ano de 1837, a
Câmara da Póvoa reuniu extraordinariamente para ouvir uma reclamação do P.e
Domingos José de Abreu e de mais alguns moradores de Balasar. Parecia estar em
causa algo importante.
Sessão extraordinária de 9 de Junho de 1837
Aos nove dias de
Junho de mil oitocentos e trinta e sete, nesta vila da Póvoa de Varzim e salas
das sessões onde se achava presente o Presidente António José Vicente Ribeiro
de Queirós e mais membros da Câmara Municipal abaixo assinados, por ele Presidente
foi declarada aberta a sessão.
Aí compareceram
perante esta municipalidade o Pároco da freguesia de Balasar, António
Francisco, António da Costa Raposo, António José da Silva e João Lopes, da
mesma freguesia, os quais reclamavam perante a Câmara de não terem sido
recenseados pela Junta de Paróquia daquela freguesia para votarem e serem
votados nas presentes eleições de Câmara e Administrador.
E enquanto ao
Rev. Pároco esta Câmara lhe deferiu a sua reclamação pois que como tal
precisava-se ter o rendimento da Lei. Quanto aos outros suplicantes,
informassem a Junta de Paróquia sobre os motivos que teve para os não
recensear, para se lhes deferir na sessão de amanhã. Se deferiram vários
requerimentos.
E por nada mais
haver houve ele Presidente fechada a sessão, que assinaram.
Eu, António
Joaquim de Santana, secretário, o escrevi.
Seguem-se as assinaturas.
Duma reclamação atendida em sessão
extraordinária da câmara esperava-se mais. O Pároco de Balasar saiu-se mal: então
ele ignorava coisa tão básica? E os outros, não se davam com a Junta? Havia sem
dúvida fricções, que envolviam também o pároco…
Entre os balasarenes que acompanhavam o
P.e Domingos José de Abreu estava o tristemente célebre António da Costa Raposo,
que faleceu no ano seguinte, às duas horas da manhã de 22 de Novembro. O pároco
assistiu-o nos últimos momentos. António da Costa Raposo tinha feito testamento
no dia anterior, isto é, algumas horas antes, assinado a rogo pelo pároco.
A acta falava da eleição do
administrador. Ano e meio depois, iria ser eleito António José dos Santos, para
substituto, mas que mais adiante passaria a efectivo. Ele vivia em Vila Nova,
muito próximo de Vila Pouca, de onde era António da Costa Raposo.
Obras na Igreja
Paroquial?
Viu-se que em 1837 havia muito prováveis
desentendimentos entre o P.e Domingos José de Abreu e a Junta. Mas mais, parece
que a Câmara tomava a atitude de apoiar, de proteger o pároco, que se sairia menos
bem do seu múnus. Em 1839, a situação não devia ter mudado.
Nesta mensagem do regedor para o
administrador poveiro (António José dos Santos ainda não era titular[7]), vemos,
entre outras coisas, até onde tinha chegado a degradação da Igreja Paroquial:
Ilustríssimo Sr. Administrador do
Concelho da Póvoa de Varzim
Ilustríssimo Senhor
Por ordem que recebi, de 26 de Janeiro
deste corrente ano, para fazer o orçamento da receita, da despesa que pertence
pagar os paroquianos, neste corrente ano, é a de maior e mais extrema
necessidade a seguinte:
Em primeiro lugar, têm obrigação os
paroquianos de pagar a cera, que é para administrar os sacramentos aos enfermos
e a que gasta cada um quando falece e mais funções da igreja, que costuma
regular em cada ano, uns pelos outros, de cinco até sete mil réis, pouco mais
ou menos.
Também é da maior necessidade rebocar os
telhados da igreja porque chove muito nas madeiras e dentro nela, e compor o
solho, que está todo podre, que já o ano passado se quis alcançar e se louvou
por um trolha e um carpinteiro, que dizem que são precisos seis ou sete sacas de
cal e doze centos (sic) telhas novas
e telhões para o cume, e de mais ou menos doze mil réis para compor o solho
pelo maior, e pregadura, mãos, madeira, ao menos seis mil réis, que isto é da
maior necessidade.
E mais são obrigados os paroquianos, por
não haver rendimentos na paróquia, a pagar ao secretário e tesoureiro (da Junta), que sempre se lhes tem
julgado ao secretário pelo seu trabalho mil réis por mês e ao tesoureiro
trezentos réis por mês.
E são estas as despesas que de
necessidade se devem pagar no corrente ano, por serem as de maior necessidade
É o que posso informar a Vossa Senhoria.
Deus guarde a Vossa Senhoria.
Balasar, 27 de Fevereiro de 1839.
Do Regedor de Balasar, José da Costa
Reis
Para
constar ao Ilustríssimo Senhor Administrador Geral do Distrito
No que toca à igreja, já desde o ano
anterior se haviam tomado algumas providências para fazer as obras, mas ficara-se
por aí: nada se concretizara.
Muitos meses à frente, o P.e Domingos
José de Abreu apelou para o administrador, agora já António José dos Santos,
numa atitude que denuncia mal-estar na freguesia. O administrador protege-o
outra vez e envia uma discreta ameaça à Junta:
Ilustríssimo Sr. Presidente e membros da
Junta de Paróquia de Balasar
Transmito a Vossas Senhorias, por cópia,
o ofício do Rev. Pároco dessa freguesia em que pede providências acerca do
estado em que se acha a igreja e casa de residência para que Vossas Senhorias,
sem perda de tempo, mandem fazer os reparos de que precisam os nomeados
edifícios, por isso que é da competência de Vossas Senhorias, segundo o
disposto na Carta de Lei de 20 de Junho do corrente ano, artigos 15 e 16,
poupando-me o desgosto de que, não cumprindo, levar ao conhecimento da
autoridade superior a omissão e desmazelo que tem havido da parte de Vossas
Senhorias a semelhante respeito.
Deus guarde a Vossas Senhorias.
Póvoa de Varzim, 6 de Novembro de 1839.
Será
que as obras se realizaram? Não é certo.
O fim do cisma e
o regresso do reitor Manuel José Gonçalves da Silva
No arquivo municipal conserva-se o
documento pelo qual o administrador geral do Porto anuncia que o cisma chegara
ao fim:
Ilustríssimo Sr. Administrador do
Concelho da Póvoa de Varzim
Ilustríssimo Senhor
Havendo a divina Providência abençoado
os esforços do Governo de Sua Majestade a Rainha para estabelecer as relações
com a Corte de Roma, interrompidas desde a restauração do governo legítimo em
Portugal e havendo o prelado desta Diocese participado ter expedido ordem para
que nas Igrejas Paroquiais se cante o jubiloso hino Te Deum laudamus em acção e graças por tão fausto acontecimento,
participo a Vossa Senhoria que cumpre dar por parte da autoridade
administrativa um público testemunho do apreço que merece esta gostosa notícia,
tão importante nos seus efeitos espirituais como temporais, convindo por isso
que Vossa Senhoria assista ao acto solene de graças na paróquia da capital do
concelho, sendo acompanhado pelo maior número de regedores que for possível,
ficando prevenido de que é de esperar a mesma ordem do Ex.mo Arcebispo eleito
de Braga e portanto esta recomendação abrange também aquele território deste
distrito que é subordinado ao Arcebispado na parte eclesiástica.
Deus guarde a Vossa Senhoria.
Porto e Administração Geral do Distrito,
15 de Junho de 1841.
Como Administrado Geral, António Luís de
Abreu, Secretário-geral
Não sabemos exactamente quando regressou
ao seu lugar o reitor Manuel José Gonçalves da Silva, mas em Outubro enviou
esta mensagem ao administrador do concelho, que já era Francisco Leite de
Morais:
Ilustríssimo Senhor Administrador do
Concelho da Póvoa de varzim
Acuso (a recepção d’) o ofício de Vossa Senhoria de 24 de Setembro,
relativo à exigência do Administrador Geral do Distrito e fico ciente do seu
conteúdo para o cumprir como Vossa Senhoria me ordena, o que participo a Vossa
Senhoria para seu conhecimento e por assim me ser exigido.
Deus guarde a Vossa Senhoria.
Balasar, 8 de Outubro de 1841
O Reitor Manuel José Gonçalves da Silva
Deveria ter regressado pouco antes.
Que terá exigido o administrador geral
do Distrito a quem tantos anos estivera fora da sua reitoria?
[1]
Quando, em fins de 1836, os setembristas mandaram às câmaras que aceitassem
publica e oficialmente a Constituição de 1822, alguns sacerdotes não perderam a
oportunidade manifestar o seu apoio à ala mais radical do liberalismo. Na
Póvoa, só um acorreu a assinar a acta (os restantes ter-se-ão recusado), mas em
Vila do Conde assinaram-na quinze, com certeza todos, sem isto significar que
todos aderiam incondicionalmente ao regime. Em 1845, nos inquéritos paroquiais,
o P.e Domingos da Soledade Silos não se esquece de tecer elogios àqueles que
ainda permaneciam na Vila.
[2]
O novo pároco de Terroso, que era de Vila do Conde, também assinara a acta de
aceitação da Constituição de 1822.
[3]
O regedor de Rates preso por cisma em 1838 candidatou-se depois a administrador
e veio a exercer o cargo durante meio ano, após o que pediu demissão. Isto
parece provar que a resistência ao cisma era coisa que dizia respeito a muita
gente – que nele votou. O regedor apenas ameaçado de suspensão viria a ser
vereador após a Maria da Fonte.
[4] Batalhão
composto por eclesiásticos, tinha sido organizado pelo Vigário Capitular D.
António da Cunha Reis para manter a ordem pública em Braga em momento em que as
forças realistas haviam retirado da cidade.
[5] Sabe-se
que era natural de Panque, Viana do Castelo.
[6]
Que será feito deste livro das actas? O P.e Leopoldino, se calhar, levou-o para
a Póvoa e não o devolveu mais… Como seria útil para conhecermos o ambiente do
tempo, de quando incorria em crime de cisma quem quisesse ser obediente à
autoridade religiosa legítima, isto é, reconhecida pela Santa Sé!
[7] Efectivo
era o ratense António Francisco Lopes.