Banditismo em Balasar em 1841 e 1842
Nos anos de 1841 e 1842,
Balasar foi repetidamente alarmada com notícias de banditismo. Se reunirmos as várias
mensagens que dão informação sobre ele (as do administrador da Póvoa, as dos
sucessivos regedores e ainda as do administrador do Porto) elas totalizam quase
duas dezenas.
Assaltos aos correios
A primeira dessas notícias
tem a ver com assaltos aos correios, aos homens que transportavam a
correspondência.
Com data de 2 de Março de
1841, veio uma circular do administrador geral do Porto, remetida aos regedores
dos Juízos de Paz de Rates e de Balasar (Rio Mau, Rates, Balasar, Parada,
Outeiro Maior e Santagões), que dizia assim[1]:
Tendo-se ultimamente
amiudado os assaltos aos correios que transitam deste para outros Distritos Administrativos
e devendo ocorrer-se imediatamente para que cesse tão criminosos procedimentos,
manda Sua Ex.cia o Sr. Administrador Geral lembrar a V. Senhoria as repetidas
recomendações feitas sobre este objecto, determinando que V. Senhoria vele e
faça velar muito escrupulosamente pelos Regedores e Cabos da Polícia para que
se cumpram as providências que sobre isto mesmo têm sido recomendadas, fazendo
escoltas aos mesmos correios nos lugares em que mais frequentemente têm sido
cometidos os assaltos e naqueles que presumirem mais aptos para isso, ou seja
pela sua solidão ou pela sua disposição.
Não era coisa específica de
Balasar, mas obrigava o regedor e os cabos da polícia a actuar: o
administrador, que era António José dos Santos, foi claro a tal respeito,
dirigindo-se aos regedores:
V. Senhorias, inteiradas
desta disposição, têm de responder na falta de negligência por qualquer
acontecimento que possa ter lugar aos ditos correios.
Mas destes assaltos,
altamente perturbadores mesmo para particulares e que deviam pôr em causa o
regular funcionamento dos serviços administrativos, não se volta a falar.
Banditismo
em Balasar e arredores
No final de Agosto, o
administrador António José dos Santos cedeu o lugar a Francisco Leite de
Morais. Este, que já exercera o cargo anos antes, parece que apreciava
sensações fortes. Por isso farejava circunstâncias eventualmente problemáticas
que lhe dessem protagonismo. Mas não se saiu muito bem.
Logo em Setembro, teve uma
rara oportunidade de mostrar como era duro.
O documento que se segue é a
resposta que enviou a uma missiva que lhe viera do “Ilustríssimo Senhor José
Joaquim de Santana, Juiz de Direito da Comarca de Vila do Conde”:
Tenho a honra de acusar
recebido o ofício de V. Senhoria, datado de 14 do corrente, dando-me parte de
terem sido assaltadas várias pessoas, já em maior, já em menor número, isto ao
norte do rio Ave.
Tenho a levar ao
conhecimento de V. Senhoria que presentemente nesta Administração não há
participação alguma, mas neste mesmo momento oficio aos Regedores destes sítios
me informem circunstanciadamente a tal respeito, o que logo levarei à presença
de V. Senhoria.
No mesmo dia, escreve, de
facto, escandalizado, aos Regedores de S. Cristóvão, Rates e Balasar:
Constando nesta
Administração, por ofício do Meritíssimo Juiz de Direito da Comarca, de 14 do
corrente, terem sido assaltadas várias pessoas por quadrilhas de ladrões nos
subúrbios dessa freguesia, faz-se notável que V. Senhoria, até ao presente, não
tenha dado parte a esta Administração de tão funestos acontecimentos, o que
imediatamente me participará circunstanciadamente para serem dadas as
providências que o negócio tão sério como este exige.
Se calhar o Juiz de Direito
da Comarca de Vila do Conde não tinha falado em quadrilhas de ladrões, mas fala
ele.
No dia 18 já tem novidades
para o Juiz de Direito da Comarca de Vila do Conde:
Em virtude do ofício de V.
Senhoria, datado de 14 do corrente, tendente aos acontecimentos praticados
pelos ladrões nas estradas que ficam ao norte do rio Ave, nada mais tenho
podido obter até ao presente dos Regedores das freguesias destes sítios senão
que, há um mês pouco mais ou menos, fora dado um tiro no Escrivão do Juiz de
Paz da freguesia de Arcos e na mesma ocasião roubado um lavrador que na
companhia deste vinha, por três indivíduos desconhecidos, isto no lugar do
Feiticeiro, e que, dias depois, no lugar do Cubo, fora assaltado um almocreve,
tirando-lhe duas pescadas duma carga e uns sapatos, por dois indivíduos também
desconhecidos.
Estão dadas ordens aos
Regedores para rondarem e qualquer acontecimento que haja V. Senhoria será
sabedor dele.
Afinal, pouco havia a contar:
não havia quadrilhas de ladrões nem coisa que se parecesse. Mas isto bastou
para ele escrever logo aos regedores de Balasar, Rio Mau, Rates, Parada,
Santagões e Outeiro Maior:
Constando nesta
Administração que na estrada que desta vila se dirige para a cidade de Braga
têm sido assaltados por quadrilhas de ladrões, não só de dia como também de
noite, diferentes pessoas que pelas mesmas têm transitado, devem V. Senhorias
fazer rondas, não só de dia mas de noite, à referida estrada pelos Cabos das
suas respectivas freguesias, como também fazendo apenar homens para coadjuvar
estes, muito principalmente no lugar do Feiticeiro e Cubo – nesta mesma data se
oficia aos Regedores de S. Cristóvão e Rates para o mesmo fim – dando-me parte
imediatamente de qualquer acontecimento que haja, fazendo capturar qualquer
indivíduo desconhecido, remetendo-o imediatamente a esta Administração, ficando
V. Senhorias na certeza de que ficarão responsáveis por qualquer omissão a tal
respeito.
Era preciso encontrar as
quadrilhas de ladrões… nem que tivesse de incomodar muita gente!
Mencionaram-se os lugares do
Feiticeiro e do Cubo. O feiticeiro era, ou tinha sido, o vendeiro ou
estalajadeiro da hospedaria a que o P.e Leopoldino chama Estalagem do Torto.
Ficando no extremo das freguesias de Balasar e Macieira, não é certo a qual
delas pertencia.
O Cubo era um moinho que
existiu junto ao ribeiro que passa a nascente das Fontainhas, mas era também o
nome da ponte que aí havia.
No dia 20 do mesmo mês de
Setembro, o regedor de Balasar, Luís João Ferreira, acrescenta qualquer coisa,
mas ainda não fala em quadrilhas de ladrões…
Ilustríssimo Sr.
Administrador do Concelho da Póvoa de Varzim
Em virtude do ofício que
acabo de receber de V. Senhoria, em consequência dos roubos, eu, do primeiro
roubo que aconteceu, dei um tiro em Augusto Fernandes, da freguesia de Arcos.
Eu, deste acontecimento, dei parte para a sua administração por escrita e até a
entreguei com minha mão; e dos outros roubos que têm acontecido agora de pouco
ainda não dei parte porque foram feitos entre os limites de Macieira e Rates e
me consta o ser verdade o ter roubado por várias vezes, mas não se lhe pode fazer
nada, só se for a matar, porque andam destemidos. Consta que os roubos têm sido
feitos desde a Serra de Rates até ao Muinho
do Cubo. É a notícia que tenho e o que posso informar a V. Senhoria.
Luís João Ferreira também
gostava de acção, de tiros…
O administrador do concelho
tinha razões para estar preocupado, mas não devia exagerar. Em 23, responde
assim ao Administrador do Concelho de Barcelos que também já se alarmara:
Acuso a recepção do ofício
de V. Senhoria nº 413, datado de 18 do corrente, no qual me participa os
acontecimentos dos salteadores praticados com os viajantes já de dia já de
noite, desde o sítio do Feiticeiro até Casal de Pedro, como também desde a
freguesia de Negreiros até à serra do Casal Novo.
Tenho a honra de levar ao
conhecimento de V. Senhoria que já em 15 do corrente foram dadas ordens aos
Regedores das freguesias de S. Cristóvão de Rio Mau, Rates, Balasar, Outeiro Maior,
Parada e Santagões para serem capturados todos e quaisquer indivíduos que
fossem encontrados que se julguem suspeitos não só nos referidos sítios mas
também em outros quaisquer deste Concelho que estejam a cargo dos referidos
Regedores e então V. Senhoria poderá ordenar que os seus Regedores se entendam
com estes para que termine de uma vez semelhante praga.
Francisco Leite de Morais
calou a expressão favorita das quadrilhas de ladrões, mas pôde pintar um
cenário de real perigo: o banditismo estendia-se por três concelhos: além de
Balasar, Casal de Pedro (na Junqueira, Vila do Conde) e Negreiros (Barcelos).
Casal Novo devia ser Rates.
Mas nem com a ajuda do
administrador de Barcelos foi possível apanhar qualquer dos salteadores. Ao
menos, de tal não há notícia.
Assalto na Gandra
Em 18 de Outubro de 1841, o
regedor José António Furtado escreveu assim ao administrador:
Dou parte a V. Senhoria de
que nesta freguesia, nesta noite passada, das onze horas para a meia-noite,
aconteceu um assalto de ladrões à força em casa de Miguel João Furtado, na
Gandra, em que houve muito aqui d’El-Rei e rebate do sino e alguns tiros, porém
não morreu ninguém nem puderam efectuar o roubo.
É a parte que dou a V.
Senhoria.
Não sabemos se Francisco
Leite de Morais deu importância a este roubo, mas um pouco mais à frente, no
princípio de Novembro, reuniu nova força de regedores e cabos da polícia para
actuar em Balasar. Vieram homens do Outeiro Maior e de Parada. Pode-se por isso
presumir que fosse para actuar na Gandra.
Há uma história oral de violência na Gandra que à partida nos parece que viria de um tempo próximo do que se está a considerar, mas da qual não encontrámos qualquer documento. Aqui fica tal qual no la transmitiram:
A Casa de lavoura da Gandra, da família
Furtado, devia dinheiro à casa Santos, de Gresufes. Era então uso pagar os
juros na data exacta acordada entre as duas partes.
Um ano, o Santos, de má-fé, fez saber ao
Furtado que no dia do pagamento tinha uma saída urgente, pelo que receberia no
dia seguinte os vencidos.
O Furtado fiou-se na palavra do Santos,
mas este, como o prazo tinha sido ultrapassado, apareceu-lhe com os oficiais d
a Justiça e, pela chamada Lei do Rato, tomou-lhe várias parcelas de terreno.
Bom rato saiu o Santos ao Furtado!
Por este motivo, foi a casa do Furtado
desmembrada e o Santos construiu outra nos terrenos que lhe tomou. A partir daí
nunca mais houve harmonia entre as duas famílias.
Uma vez andava o Santos a abrir regos
para uma sementeira de trigo no Campo das Poças, que tinha tomado ao vizinho,
quando um tiro saído de trás dum valado o matou fulminantemente.
O Furtado andava a essa hora a podar uns
carvalhos num prédio contíguo e as pessoas que trabalhavam na sementeira do
Santos garantiram a sua inocência.
Embora não fosse o autor do tiro,
suspeitou-se que o Furtado teria contactado o pistoleiro para se vingar do
roubo de que tinha sido vítima.
Noutra
versão, o pistoleiro fora pago por um emigrante do Brasil.
Nova
acção inter-concelhia
Em 30 de Novembro, uma
mensagem do administrador do Porto veio recolocar na ordem do dia a intervenção
inter-concelhia no ataque às quadrilhas:
Consta nesta Repartição que
nas extremidades desse Concelho, do de Vila do Conde, Vila Nova de Famalicão e
Barcelos tem aparecido ultimamente uma quadrilha de salteadores sem que tenha
sido possível capturá-los em razão da facilidade que têm de passar de um para
outro Distrito. Recomendo a V. Senhoria que de acordo com os Administradores
dos ditos concelhos, para o que estão competentemente prevenidos, empregue
todos os meios possíveis para a completa aniquilação de tais malvados.
Em 11 de Dezembro, o
administrador da Póvoa escreve ao colega de Vila Nova de Famalicão, deixando de
lado os de Barcelos e de Vila do Conde:
Tendo recebido a
confidencial de S. Ex.cia o Senhor Administrador Geral do Distrito do Porto,
com data de 30 do passado, o qual me participa estar V. Senhoria prevenido para
me coadjuvar com todas as forças que lhe são possíveis a fim de serem
capturados os salteadores que enfestam os subúrbios deste Concelho e como
tenciono dar uma saltada, no dia 16 do corrente, a qual é dirigida pelo Regedor
da freguesia de Balasar e para bem do serviço N. e R. rogo a V. Senhoria queira
pôr no sítio da Carvalhosa, às 8 horas da manhã do referido dia 16, todas as
forças que lhe é possível à disposição do mencionado Regedor.
Também da acção anunciada não
consta que tivesse resultado o que quer que fosse.
O bravo administrador da
Póvoa devia pôr a sua fogosidade e imaginação ao serviço de outras causas, esta
só lhe trazia descrédito.
Ataque
à residência paroquial
Em 18 de Janeiro de 1842, o
regedor de Balasar comunicou à autoridade poveira um facto grave:
Participo a V. Senhoria que
no dia 16 do corrente, pelas onze horas da noite, foi acometida a residência do
nosso Reitor por um bando de salteadores assassinos, quebrando-lhe as vidraças
de uma janela com pedras e depois disparando-lhe um tiro na janela do quarto
onde dormia, passando-lhe três balas a dita janela, o que comunico a V.
senhoria para dar as providências que tais factos exigem.
O pároco, o P.e Manuel José
Gonçalves da Silva, que depois dum homizio de sete anos
retomara no ano anterior o seu lugar na paróquia, foi alvo de um acto ameaçador:
um “bando de salteadores assassinos” é quase uma quadrilha de ladrões.
Que irá fazer Francisco
Leite de Morais? Juntar mais uma vez regedores e cabos da polícia?
Não, em 20 de Janeiro informou
do acontecido o Delegado do Procurador Régio do Julgado da Póvoa de Varzim:
Incluso achará V. Senhoria
as cópias dos ofícios que recebi do Regedor da freguesia de Balasar e do Pároco
da mesma participando os desastrosos acontecimentos na casa deste praticados,
rogando eu a V. Senhoria se sirva promover o processo contra este atentado tão
ilegal a fim de ver se se podem descobrir os perpetradores do mesmo e serem
estes punidos rigorosamente.
Mas não seria a ele,
administrador, que cabia actuar antes de qualquer outra autoridade? A
experiência tinha-lhe ensinado alguma scoisa.
Mas Balasar ainda lhe ia dar
mais dores de cabeça.
Luís Saramago, o desertor
Muito do que está dito atrás
pode ter relação bem próxima com desertores, com mancebos que fugiam na hora de
entrar para o serviço militar. Podiam mudar de freguesia e de concelho, podiam
fugir para o monte ou até embarcar para o Brasil. Era fácil aos que ficassem
por cá acabarem em salteadores.
De resto, a lei creio era
muito injusta, chamando para a tropa quase exclusivamente os filhos dos pobres.
Em 18 de Agosto de 1842, o
regedor de Balasar Joaquim Domingos Leitão (genro de António José dos Santos)
levou esta informação ao conhecimento do administrador:
Dou parte a V. Senhoria que Luís,
da Gandra, o desertor, se passou para a Maia, para a freguesia de S. Estêvão, pois
lá tem dois manos casados e por isso seria bom que V. Senhoria fizesse esta
participação ao Sr. Administrador de Vila do Conde, para ele dar as
providências a que o dito desertor seja reconduzido à prisão.
Em 29 de Agosto, o
administrador da Póvoa passou a palavra ao colega vila-condense:
Tendo agora a notícia de que
o desertor de Balasar Luís, por apelido o Saramago, que tanto trabalho tem
dado, tendo esperado nas estradas deste concelho, achava-se ontem próximo, à
noite, na Estalagem do Galego, do Casal de Pedro, e também me consta que
frequenta a de Joaquim Pito e outras mais tabernas daquele lugar, rogava a V.
Senhoria se dignasse mandar ordem imediatamente ao Regedor daquela freguesia a
fim de ver se o captura, ao que V. Senhoria fará um serviço muito grande aos
povos do seu Concelho.
Os sinais são os seguintes:
altura regular, cor pálida, cabelos castanhos, barba cerrada com passa-perolhos (?).
A informação de Joaquim
Domingos Leitão não bate certa com a de Francisco Leite de Morais. De qualquer
modo, para dar tanto que falar, Luís Saramago pode ter sido o principal
salteador mesmo dos sítios do Feiticeiro e do Cubo.
Custódio José da Costa
ofereceu o seu retrato como ex-voto à Santa Cruz em agradecimento por esta lhe
ter concedido que as obras da capela decorressem “sem perigos nem assaltos de
ladrões”.
Noutra ocasião escreveu que
“administrou aquela capela, morada daquela Santa Cruz, cinco anos e sete meses,
em cujo tempo arrecadou as esmolas que não podia ter em sua casa com susto de
que os ladrões o roubassem, vendo-se em muitíssimas vezes na precisão de não
dormir na sua própria casa a fim de salvar o resultado das muitas esmolas”.
Este cinco anos e sete meses
devem corresponder à segunda metade de 1832 e depois até ao fim de 1837.
O banditismo em Balasar, e
noutras freguesias com certeza, já vinha de longe. Mas o que aqui contamos terá
sido um pouco especial e está bastante documentado.
[1]
Encontrámos pela primeira vez as duas mensagens sobre os assaltos aos correios
no livro de actas da junta de paróquia do Outeiro Maior; posteriormente,
tivemos acesso aos originais delas no arquivo da Póvoa.
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