domingo, 2 de junho de 2013

No rescaldo da Revolução Liberal (1)

A Santa Cruz de Balasar


O estudo da história da freguesia de Balasar proporcionou-nos conhecimento de várias fontes onde se pode colher informação sobre o momento da aparição da Santa Cruz. É uma longa e não acabada investigação que aqui se conjuga com as fontes conhecidas.
Começamos em 1830, quando se iniciou a renovação do Tombo da Comenda, e terminamos em 1841, ano do fim oficial do cisma trazido pelo liberalismo e do regresso do reitor expulso.


O Tombo da Comenda

A renovação do Tombo da Comenda de Balasar estava determinada desde 1825, mas só em 1830, com os liberais expulsos de Portugal e D. Miguel no poder, é que foi posta em execução.
Para o presente caso, esta renovação que, embora tenha decorrido principalmente em 1830, só teve o seu termo em 1833, fala-nos de muitas pessoas da freguesia activas ao tempo da aparição da Santa Cruz, nomeadamente do pároco e do cura. Mencionam-se também os donos da Quinta de D. Benta, que já eram os futuros Viscondes de Azevedo, António José dos Santos, etc.
A primeira informação aos balasarenses sobre a renovação do tombo teve lugar em 16 de Fevereiro, quando se fixou na porta da igreja o edital a anunciar que iam começar as diligências respectivas.
O tombo mostra-nos Balasar ainda integrada no grande concelho de Barcelos, a poucos anos de transitar para o da Póvoa de Varzim.
O reitor chamava-se António José de Azevedo e era pároco desde Novembro de 1823; este reitor deixa de assinar os assentos paroquiais em fins de Agosto de 1832, logo a seguir ao desembarque do Mindelo e à aparição da Santa Cruz. A data do fim da sua actividade é um pouco suspeita. Terá ele sido vítima de expulsão?
Quando, em 1828, D. Miguel assumiu o governo, muitos sacerdotes das vizinhanças das sedes dos concelhos acorreram a assinar a acta em que se lhe dava apoio. O P.e António José de Azevedo também deve ter ido a Rates, mas não se conserva tal documento.


A mais antiga notícia sobre a Santa Cruz de Balasar e a “espécie de capela” que então se construiu

A mais antiga notícia sobre a Santa Cruz de Balasar, datada de 6 de Agosto de 1832, mês e meio após a aparição no dia do Corpo de Deus, é a exposição dirigida pelo reitor António José de Azevedo à autoridade eclesiástica de Braga. Dividimo-la aqui em quatro fragmentos:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor

Notícia da aparição

Dou parte a Vossa Excelência de um caso raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar.
No dia de Corpo de Deus próximo pretérito, indo o povo da missa de manhã em um caminho que passa no monte Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a terra que demonstrava esta cruz era de cor mais branca que a outra: e parecia que, tendo caído orvalho em toda a mais terra, naquele sítio que demonstrava a forma da cruz não tinha caído orvalho algum.
Mandei eu varrer todo o pó e terra solta que estava naquele sítio; e continuou a aparecer como antes no mesmo sítio a forma da cruz. Mandei depois lançar água com abundância tanto na cruz como na mais terra em volta; e então a terra que demonstrava a forma da cruz apareceu de uma cor preta, que até ao presente tem conservado.
A haste desta cruz tem quinze palmos de comprido e a travessa oito; nos dias turvos divisa-se com clareza a forma da cruz em qualquer hora do dia e nos dias de sol claro vê-se muito bem a forma da cruz de manhã até as nove horas e de tarde quando o sol declina mais para o ocidente, e no mais espaço do dia não é bem visível.

Reacções populares e milagres

Divulgada a notícia do aparecimento desta cruz, começou a concorrer o povo a vê-la e venerá-la; adornavam-na com flores e davam-lhe algumas esmolas; e dizem que algumas pessoas por meio dela têm implorado o auxílio de Deus nas suas necessidades e que têm alcançado o efeito desejado, bem como: sararem em poucos dias alguns animais doentes; acharem quase como por milagroso animais que julgavam perdidos ou roubados e até algumas pessoas terem obtido em poucos dias a saúde em algumas enfermidades que há muito padeciam. E uma mulher da freguesia da Apúlia, que tinha um dedo da mão aleijado, efeito de um penando que nela teve, tocando a Cruz com o dito dedo, repentinamente ficou sã, movendo e endireitando o dedo como os outros da mesma mão, cujo facto eu não presenciei, mas o atestam pessoas fidedignas que viram.
Enfim, é tão grande a devoção que o povo tem com a dita cruz que nos domingos e dias santos de guarda concorre povo de muito longe a vê-la e venerá-la, fazem romarias ora de pé ora de joelhos em volta dela e lhe deixam esmolas; e eu nomeei um homem fiel e virtuoso para guardar as esmolas.

Ideia duma “espécie de capela”

Querem agora alguns moradores desta freguesia com o dinheiro das esmolas se faça, no sítio onde está a cruz, como uma espécie de capela cujo tecto, coberto de tabuado, seja firmado em colunas de madeira e em volta cercado de grades também de madeira, para resguardo e decência da mesma cruz e, dentro e defronte da cruz descrita na terra, pôr e levan­tar outra cruz feita de madeira, bem pintada, com a Imagem de Jesus Crucificado pintada na mesma cruz.

Opinião do signatário

Eu não tenho querido anuir a isto sem dar a Vossa Excelência parte do acontecido e mesmo em fazer a sobredita obra sem licença de Vossa Excelência, persuadido que nem eu nem os moradores da freguesia temos autoridade para dispor a nosso arbítrio do dinheiro das esmolas, que por agora ainda é pouco e não chega para se fazer obra mais dispendiosa e decente à proporção do objecto.
Agora sirva-se Vossa Excelência determinar o que lhe parecer e o que eu devo praticar a este respeito.

Santa Eulália de Balasar, aos seis dias do mês de Agosto de mil oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito o mais reverente,
O Reitor António José de Azevedo.

Em Braga, quiseram ouvir a opinião do pároco de Gondifelos (que pelo nome parece irmão do de Balasar):

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Em observância da determinação de Vossa Excelência fui à freguesia de Balasar observar a mencionada cruz, o que eu já há tempos tinha feito de meu voto próprio, e acho que ela continua a aparecer, posto que menos clara do que então a vi.
Tem sido muito grande o concurso de povo para a ver, vindo de terras dis­tantes; e, se ela continuar a existir de forma que se não desvaneça, me parece que virá a ser objecto de grande veneração; e no entanto sempre me merece algum culto ao menos.
O que o Reverendo (reitor de Balasar) representa a Vossa Excelência é quanto se me oferece dizer a Vossa Excelência, que determinará o que for servido.

Gondifelos, oito de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito Reverente – o Abade Manuel José de Azevedo

E ao quarto dia, 9 de Agosto, veio a autorização:

Concedo a licença pedida, ficando a cargo do Reverendo representante o evitar qualquer culto supers­ticioso que possa haver da parte do povo ignorante.
Braga, nove de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
Com a rubrica do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Vigário capitular

A situação política era instável, embora D. Miguel ainda se sentisse bastante seguro (o irmão, com os liberais, estava cercado no Porto). Isso, a evidência de se estar perante uma aparição autêntica e a grande afluência de populares hão-de ter concorrido para acelerar a decisão do vigário capitular.
Pelos vistos, na “espécie de capela” originalmente pensada e que era coberta mas não fechada, não se previa celebrar a Santa Missa. A enxurrada de inverno é que terá levado a fechar o espaço para que a água não apagasse tudo.

É curioso que já se chamasse Calvário ao remate daquele morro que vem da Caminho Largo e ali desce em forte declive para o rio. Parece que o povo ia de Missa, isto é, já ali tinha passado. Custódio José da Costa, que foi o primeiro a ver a cruz, era do Lousadelo.
A ponte de D. Benta, que era de pedra e ficava a poucos metros, ruíra cerca de dez anos antes. No arquivo municipal há um documento do administrador, datado de 1843, que é um “Mapa geral das pontes existentes no Concelho da Póvoa de Varzim” e que contém uma informação muito completa sobre ela: tinha de cumprimento cerca de quinze metros e de largura quatro. O seu tabuleiro assentava sobre três arcos de volta inteira: o arco do meio tinha de vão cerca de quatro metros e os dois dos lados iam além de três.
Era certamente mais curta que a ponte d’Este em Touguinhó, mas devia ser parecida (eram ambas do concelho de Barcelos).
Custódio José da Costa refere-se uma vez à Santa Cruz da Ponte para significar a Santa Cruz Aparecida.

A pequena capela que hoje existe, em pedra, não corresponde à construção autorizada. Ela tem na frente, sobre a porta, a data de 1832, mas no degrau do pequeno altar lê-se (?) a de 1833, que é parte duma inscrição mais extensa que, segundo o P.e Leopoldino Mateus, contém estes dizeres:

O.M.F.P.
J.F.C.D.S.
D.P.A.S.D.
EM. 1833

A nosso ver, a primeira linha diz “Obra Mandada Fazer Por”. Se isto for verdade, nas duas linhas seguintes estarão as iniciais dos nomes dos benfeitores.
Muitos anos antes, Manuel Nunes Rodrigues, o marido de D. Benta, começou assim a inscrição da sua lápide funerária: "Esta capela e sepultura mandou fazer..." E também concluiu com a indicação do ano. A exposição do P.e António José de Azevedo já utiliza a palavra obra.
A autorização para a sua construção foi dada ainda ao tempo do P.e António José de Azevedo e da legitimidade hierárquica em Braga.


Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar

A Carta de Sentença é um documento precioso, importantíssimo para o estudo da história da Santa Cruz. Lida porém com alguma atenção, verifica-se que contém este estranho erro: entre os documentos que justificam a licença dada em 1832 para construir a pequena capela hoje existente, constam três de 1834...
Ela abre, conforme o costume do tempo, com uma longa tirada em que o provisor se assume como a pessoa habilitada para decidir o que está em causa. Depois, vem a petição de Custódio José da Costa e outros: pedem autorização para construir uma capela:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Diz Custódio José da Costa e outros mais devo­tos da freguesia de Santa Eulália de Balasar do termo de Barcelos deste Arcebispado Primaz que são devo­tos da Santa Cruz de Jesus Cristo que, para avivar a fé amortecida no coração de alguns cristãos, se dignou aparecer nesta mesma freguesia; fizeram contrair (sic) uma espécie de oratório para veneração daquele milagre, precedendo a licença junta; acontece porém ser muita a influência de devotos que ali concorrem agra­decidos aos milagres que a misericórdia divina se digna obrar por intercessão daquela maravilhosa aparição; seria de muito serviço de Deus construir ali uma capela com altar onde se pudesse oferecer o sacrifício incruento do Nosso Salvador para satisfação das Mis­sas que os mesmos devotos ofertam; e por isso pede a Vossa Excelência Reverendíssima haja por bem conceder-lhe a licença pedida, e receberá mercê.

Esta petição não é datada, mas como a resposta foi dada em 5 de Julho de 1834, pode-se supor que fora apresentada alguns dias antes.
A afluência de devotos continua a ser muita.
É aqui que pela primeira vez vem o nome de Custódio José da Costa. No documento do pároco de dois anos antes, ele estava lá mas não identificado pelo nome.
A “espécie de capela” de antes passa agora a ser “uma espécie de oratório”.
A partir deste momento, a Carta de Sentença regista os diversos passos burocráticos que foi preciso percorrer.

Antes de deferir a pretendida licença, convém que o Reverendo Pároco de Gondifelos ou outro vizinho informe sobre a necessidade da capela que se pretende edificar e a quantidade das esmolas que se juntam e se com elas se poderá no futuro constituir um fundo para a sua conservação, ouvindo por escrito o Reverendo Pároco próprio, para se saber se com ele se prejudica­rão os seus direitos e servirá de embaraço para o povo deixar de concorrer à Igreja Paroquial.

Em face do parecer, o Vigário Capitular proferiu esta porta­ria, datada de 22 de Julho de 1834:

Autuada na Câmara; passe ordem de informe ao Reverendo Pároco em cujo distrito se pretende for­mar oratório ou construir capela, assim como aos Reverendos Párocos circunvizinhos com a resposta do Reverendo Desembargador-Promotor.

Após elas, vinha a célebre informação dada em 1832 pelo pároco António José de Azevedo, onde se requer autorização para construir um oratório, que é antes de mais uma protecção da Cruz aparecida. Na altura, depois de pedida uma informação ao pároco de Gondifelos, deferiu-se o pedido.

O redactor confundiu duas coisas diferentes, a licença para construir a primeira capela (concedida em 1832, sob autoridade legítima) e a licença para construir a segunda, concedida em 1834, sob autoridade cismática. O “património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar” diz respeito à segunda.
O documento conclui com a assinatura do provisor cismático.


O país em cisma

Nos últimos 200 anos houve em Portugal várias revoluções. A primeira delas foi a liberal, a mais dolorosa de todas, com períodos de grande violência e, no final, de guerra civil. Além disso, a agitação prolongou-se por um largo período e só terminou na Primavera de 1834 com a vitória dos liberais, comandados por D. Pedro, sobre os absolutistas ou miguelistas, comandados por D. Miguel.
A primeira preocupação dos liberais vitoriosos não foi a pacificação do país, que estava dividido, mas a de lhe impor o seu projecto político, sabendo bem que iriam enfrentar grande resistência popular.
No ano da vitória, atiçaram a fogueira das paixões ao promulgarem a extinção das Ordens Religiosas, ao colocarem à frente das dioceses sacerdotes que lhes eram fiéis mas que a Santa Sé não reconhecia, encerrando os seminários, tomando para si o direito de regular as côngruas dos párocos, etc. O país mergulhou em cisma.
No arciprestado actualmente dito de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, foram extintos dois conventos, o de S. Francisco, em Vila do Conde, e o Hospício do Carmo ou Convento do Carmo, também em Vila do Conde. Na Azurara também encerrou um convento franciscano. O Mosteiro de S. Clara, por ser feminino, ficou impedido de receber noviças, com extinção a prazo, por morte lenta.
A autoridade eclesiástica bracarense intrusa, ilegítima, logo nesse ano de 1834, expulsou por cá alguns párocos, caso do de Balasar e do de Touguinhó, mas com certeza ainda outros, e fez anexar a paróquia de Santagões à da Junqueira. O pároco desta freguesia, o P.e João Gomes da Silva, devia ser o sacerdote mais notoriamente liberal das redondezas, a ponto de em tempo de D. Miguel ter sido suspenso. Após a vitória liberal, deu procuração a um amigo para assinar em seu nome, em Barcelos, a aclamação de D. Maria II e a aceitação da Carta Constitucional; a partir daí, deve-se ter visto como um avançado, um herói. Pode ter tido intervenção na expulsão do pároco de Balasar e de outros. Chegou a ser arcipreste[1].
A partir deste ano, em Portugal toda a gente era cismática. As autoridades intrusas nas dioceses e os párocos que nomeavam eram cismáticos porque não eram reconhecidos pela Santa Sé. Os governantes liberais, de inspiração maçónica, eram cismáticas porque cortaram com a Santa Sé, expulsaram o núncio apostólico, promoveram autoridades eclesiásticas ilegítimas, extinguiram as Ordens Religiosas, etc. As autoridades locais, municipais, por exemplo, eram cismáticas porque estavam ao serviço dos cismáticos e partilhavam ou pelo menos divulgavam os seus pontos de vista.
E que se passava com os sacerdotes e com os fiéis que faziam tudo o que lhes era possível para continuarem fiéis a uma autoridade religiosa legítima? Eram declarados cismáticos pelos liberais.
A palavra tinha então dois sentidos, um autêntico – os liberais eram cismáticos – e um abusivo – quem resistia às prepotências dos liberais era declarado cismático.
Naquele tempo, certamente devido às dificuldades de deslocação e por serem muitos os sacerdotes, eles reuniam-se em cinco círculos de palestra. Estes chegaram a ser todos, ou quase todos, dominados por apoiantes do cisma.
Os padres cismáticos tinham uma apetência clara por paróquias ricas. Quando os párocos de Rates e de Terroso[2] foram suspensos e substituídos, em 1838, essa foi com certeza também uma razão que pesou.
O pároco de Arcos, que uma norma do tempo permitia expulsar logo em 1834, nunca foi substituído: a paróquia tinha um rendimento pequeno…
Ao contrário, o pároco de Touguinhó, que tinha um rendimento muito grande, foi rapidamente expulso. Há um ex-voto à Santa Cruz de Balasar que guarda memória desta expulsão. Quando regressou, em 1841, pagou a igreja nova de Touguinhó, que tem na frente a data de 1842. E ainda ficou muito rico.
Nas Memórias para a história de um cisma, do Mons. José Augusto Ferreira, que paroquiava Vila do Conde quando a Alexandrina lá fez a confirmação, a páginas 502-3, escreveu sobre este cisma:

Na diocese de Braga, que abrange todo o Minho (até à criação da diocese de Viana) e parte de Trás-os-Montes (até à criação da diocese de Vila Real), foi onde o scisma alimentado pelas dissenções politicas tomou proporções pavorosas.
Os actos religiosos eram celebrados furtivamente pelas casas particulares; os fieis mais escrupulosos retiravam-se dos templos na occasião em que alguns sacerdotes elevavam a Hóstia sagrada á adoração publica; aos parochos de novo colados ou encommendados era-lhes negada a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder civil; n'uma palavra, as coisas chegaram a tal ponto que as janellas d'algumas casas, quer nas cidades, quer nas aldeias, fechavam-se quando alguns sacerdotes novamente nomeados parochos conduziam o sagrado Viatico aos enfermos; finalmente os padres, que não obedeciam ao Vigário Capitular, recusavam assistir aos actos religiosos com os demais ecclesiasticos.

Muito do que aqui diz verificou-se na paróquia de Rates e em parte na de Terroso. Na de Rates as pessoas recusavam-se a levar as crianças a baptizar à igreja paroquial e até num ou noutro caso celebravam o matrimónio em casas particulares. Em razão desta resistência face ao pároco cismático, um regedor foi preso por crime de cisma, o regedor seguinte foi ameaçado de suspensão, veio tropa para a vila duas ou mais vezes, etc.[3]
Não temos conhecimento do que se passou noutras freguesias, embora, como se verá, na de Balasar se perceba que há demorados desentendimentos com o pároco substituto.


A expulsão do pároco de Balasar

Em finais de 1833, foi colocado em Balasar um jovem pároco, o P.e Manuel José Gonçalves da Silva. Como já se disse, foi expulso no ano seguinte “por motivo ter sido mercê no tempo da usurpação”. As nomeações feitas em tempo de D. Miguel não eram reconhecidas pelas novas autoridades.
O P.e Manuel José Gonçalves da Silva tinha sido mestre de Moral, em Braga. Se calhar também pertenceu ao chamado Batalhão Eclesiástico…[4]
Conhece-se um assento de casamento de Abril de 1834 com a sua assinatura. Num outro, anterior, de Fevereiro, menciona-se a “comissão do Reitor”, que era dele. Regressará em 1841, quando o governo liberal reatpu relações com a Santa Sé.
A “Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar”, que data de 27 de Novembro de 1834, foi proferida por um provisor intruso, o Dr. António Pires de Azevedo Loureiro. Note-se contudo que ela tem em vista um objectivo prático, sem implicação doutrinal: visa apenas garantir o património da Capela da Santa Cruz.


A segunda capela

A licença para construir a segunda capela foi pedida por Custódio José da Costa e outros devotos. Já havia “uma espécie de oratório”, que era a capela anterior. Embora sem data, a petição deve vir do fim de Junho de 1834 uma vez que o vigário capitular começa a deferir no início de Julho.

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Diz Custódio José da Costa e outros mais devo­tos da freguesia de Santa Eulália de Balasar do termo de Barcelos deste Arcebispado Primaz que são devo­tos da Santa Cruz de Jesus Cristo que, para avivar a fé amortecida no coração de alguns cristãos, se dignou aparecer nesta mesma freguesia; fizeram contrair [sic] uma espécie de oratório para veneração daquele milagre, precedendo a licença junta; acontece porém ser muita a influência de devotos que ali concorrem agra­decidos aos milagres que a misericórdia divina se digna obrar por intercessão daquela maravilhosa aparição; seria de muito serviço de Deus construir ali uma capela com altar onde se pudesse oferecer o sacrifício incruento do Nosso Salvador para satisfação das Mis­sas que os mesmos devotos ofertam; e por isso pede a Vossa Excelência Reverendíssima haja por bem conceder-lhe a licença pedida, e receberá mercê.

A esta petição dirigida ao vigário capitular deu o desembargador-promotor o seguinte parecer, datado de 5 de Julho:

Antes de deferir a pretendida licença, convém que o Reverendo Pároco de Gondifelos ou outro vizinho informe sobre a necessidade da capela que se pretende edificar e a quantidade das esmolas que se juntam e se com elas se poderá no futuro constituir um fundo para a sua conservação, ouvindo por escrito o Reverendo Pároco próprio, para se saber se com ele se prejudica­rão os seus direitos e servirá de embaraço para o povo deixar de concorrer à Igreja Paroquial.

Em face do parecer, o Vigário Capitular proferiu esta porta­ria, em 22 de Julho:

Autuada na Câmara; passe ordem de informe ao Reverendo Pároco em cujo distrito se pretende for­mar oratório ou construir capela, assim como aos Reverendos Párocos circunvizinhos com a resposta do Reverendo Desembargador-Promotor.

A informação do abade de Gondifelos foi concebida nestes termos:

Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor
Da Capela que se pretende edificar não há a maior necessidade, porque fica muito próxima a Igreja Matriz, mas é para satisfazer a devoção dos povos que mostram grande desejo que as Missas para que dão as suas esmolas se digam em Capela própria e não na Igreja aonde se vão satisfazer. O rendimento das esmolas é incerto porque uns domingos é maior, outros menor, mas por uma razoável computação se poderá julgar que se apurará meia moeda cada mês, mas há um devoto que lhe quer estabelecer quatro medidas à ma­neira de outras capelas das freguesias circunvizinhas que foram fundadas com o mesmo património.
É quanto posso informar a Vossa Senhoria, que determinará o que for servido.
Gondifelos, quatro de Agosto de mil e oito cen­tos trinta e quatro.
De Vossa Senhoria Súbdito Reverente - o Abade Manuel José de Azevedo

Por sua vez, o reitor de Macieira de Rates informou deste modo:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
A Capela que na súplica de Custódio José da Costa e de outros devotos da freguesia de Santa Eulália de Balasar é mencionada para se edificar é pouco distante da Igreja Paroquial da mesma freguesia, mas sim muito útil à devoção dos fiéis que de muito longe concorrem a visitar satisfazer seus votos e é fre­quente e numeroso o concurso.
Dizem-me que o rendi­mento mensal regula por dois mil e quatro centos réis; e o devoto Custódio José da Costa se presta à segurança de quatro medidas anualmente. É isto o que posso informar, e Vossa Excelência mandará o que for servido.
Em Santo Adrião de Macieira, sete de Agosto de mil e oito centos trinta e quatro.
De Vossa Excelência Reverendíssima o mais atento e reverente Súbdito - o Reitor José Joaquim Soares da Costa

Confirmando as informações dos párocos de Gondifelos e de Macieira de Rates, o pároco de Balasar enviou ao prelado esta infor­mação:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Os primeiros informantes disseram o mesmo que eu diria se primeiro informasse, pois a Capela que pretendem erigir fica algum tanto próxima a Igreja Matriz e nesta razão não tira que o povo venha a Paróquia. Além disto, o povo, todo aquele que vem trazer Missas, de seus votos clama que não fica satisfeito não se di­zendo em o mesmo sítio; e eu mesmo tenho dito na Igreja grande número delas e parece não ficarem gostosos em ver que se não dizem em o próprio sítio da aparição da Cruz.
Quanto ao rendimento sou informado que é incerto, porém que pouco mais ou menos andará por dois mil e quatro centos, ora mais ora menos, cada mês. Portanto não impugno se construa a dita capela para viva fé com concurso do povo e para satisfação dos suplicantes que até um deles se presta, zeloso da mesma e para maior veneração e culto, lhe oferece quatro medidas perpétuas, pelo exemplo que tem em outras circunvizinhas, e como não prejudicará os direitos paroquiais, porque estes sempre se devem conservar ilesos.
É o que pode informar a Vossa Excelência quem é deveras Súbdito Reverente e me­nor criado - o Pároco actual, Domingos José de Abreu

Estes documentos fizeram o processo encaminhar-se para o fim:

Juntem a escritura por onde o devoto Custódio José da Costa se obrigue a prestação anual das qua­tro medidas a que se oferece para sustentação e con­servação da Capela.

O resto da sentença tem todo relação com a doação de Custódio José da Costa.


O P.e Domingos José de Abreu

Durante o breve período que medeia entre a saída do P.e António José de Azevedo e a entrada ao serviço do P.e Domingos José de Abreu[5], quem redigiu os assentos foi o cura António José da Silva, como encomendado.
O P.e Domingos José de Abreu, que já residia na freguesia desde há alguns anos, paroquiou a freguesia desde fins de 1834 até ao regresso do reitor Manuel José Gonçalves da Silva.
É o pároco do tempo das obras da segunda capela da Santa Cruz e do começo da Junta de Paróquia, do Regedor, do Juiz Eleito... Lidou muito de perto com Custódio José da Costa.
Em 1845, paroquiava Rio Mau. Segundo o P.e Silos, a sua política era a do catavento: isto é, nem se terá assumido abertamente como cismático nem terá afrontado os cismáticos.


A palestra da Junqueira

Desde meados do século XVIII, os párocos da diocese de Braga e outros sacerdotes seculares reuniam-se (e reúnem-se) num encontro mensal chamado palestra. Em 1845, Balasar integrava-se no círculo da palestra de S. Simão da Junqueira, conjuntamente com Rates, Arcos, Rio Mau, Bagunte, Outeiro Maior, Parada e Santagões.
Destas freguesias só S. Simão da Junqueira e Bagunte é que se vieram a integrar a partir de 1837 no concelho de Vila do Conde.
Em 1838, o pároco de Bagunte, que foi vice-presidente da palestra, actuou face a certos paroquianos de um modo tal que o administrador do concelho, que fala dele como “indigno pastor”, o acusou ao Vigário Capitular. Este, porém, protegia-o e nada lhe sucedeu. De semelhante protecção gozou o pároco de Terroso. Mas o regedor desta paróquia poveira decidiu fazer justiça por conta própria e deu-lhe uma sova, fora da área do concelho (em área do de Vila do Conde). Pois ainda assim o Vigário Capitular promoveu-o a arcipreste, mas com a condição de prestar juramento perante o administrador do concelho. Só que o administrador negou-se a deferir-lhe o juramento por o considerar “insuficiente pároco” (inapto por isso para arcipreste) e um mês depois foi nomeado outro arcipreste, creio que o pároco de S. Simão da Junqueira. Isto leva-nos a supor que quem estivesse de bem com o Vigário Capitular e defendesse abertamente o regime tinha um protecção que de modo nenhum possuía quem não alinhasse com ele. Para estes a ameaça de suspensão andaria sempre por perto.


Mudanças

Custódio José da Costa, no início da década de quarenta, ainda usa o nome das autoridades paroquiais antigas, “homens do acordo”, para se referir às novas. Entre 1834 e 1836 já tinha havido alterações, com a criação do comissário (correspondendo talvez ao posterior regedor) e do juiz de paz.
Contudo vão ser os setembristas, com a adopção da Constituição de 1821 e a reorganização administrativa do país, que vão introduzir maiores e mais duradouras mudanças, que se tornam efectivas a partir de 1837, passando Balasar a integrar-se no concelho da Póvoa de Varzim.
Em 16 de Abril, houve eleições para a Junta e Regedor. Outras, como a do Juiz Eleito, do Juiz de Paz, da câmara e administrador ocorreram mais tarde (as pessoas foram chamadas a votar muitas vezes ao longo desse ano).
Integrada a freguesia num concelho de pequena dimensão e principalmente devido à nova orgânica da administração local, passa a produzir-se e a guardar-se uma quantidade de documentação que não tinha paralelo antes. Dela nos socorreremos.


Custódio José da Costa chamado a apresentar contas

O P.e Leopoldino transcreve um excerto duma acta da Junta de Paróquia de Balasar[6] com data de 4 de Maio de 1837. Esta junta era a primeira da freguesia e fora eleita poucos dias antes. Que pressa tinham de incomodar o benemérito Custódio José da Costa! Deliberaram eles:

… sendo do seu dever tomar conta do rendimento de uma capela desta freguesia no lugar do Calvário e intitulada do Senhor da Cruz, que adminis­trava o Custódio José da Costa da mesma freguesia; nomeamos para tesoureiro da mesma capela Custódio José da Costa para este dar contas a esta Junta no prazo de oito dias, com pena de pagar a multa que a lei lhe determinar e não dispor de rendimentos alguns sem ordem desta Junta, assim como de missas e outros mais rendimentos que devem ser ditas na mesma capela.

A pressa deles era por causa do dinheiro, mas pelos vistos tiveram de esperar mais de meio ano, como informa o mesmo P.e Leopoldino:

Aquela entidade tomou contas ao administrador da capela em sessão de 21 de Janeiro do ano seguinte e neste mesmo acto nomeou uma comissão para servir o Senhor da Cruz, constituída por dois administradores, dois zeladores e um escrivão. O escrivão era Manuel Fernandes da Silva Campos.


Uma ponderosa reclamação

Em 9 de Junho deste ano de 1837, a Câmara da Póvoa reuniu extraordinariamente para ouvir uma reclamação do P.e Domingos José de Abreu e de mais alguns moradores de Balasar. Parecia estar em causa algo importante.

Sessão extraordinária de 9 de Junho de 1837
Aos nove dias de Junho de mil oitocentos e trinta e sete, nesta vila da Póvoa de Varzim e salas das sessões onde se achava presente o Presidente António José Vicente Ribeiro de Queirós e mais membros da Câmara Municipal abaixo assinados, por ele Presidente foi declarada aberta a sessão.
Aí compareceram perante esta municipalidade o Pároco da freguesia de Balasar, António Francisco, António da Costa Raposo, António José da Silva e João Lopes, da mesma freguesia, os quais reclamavam perante a Câmara de não terem sido recenseados pela Junta de Paróquia daquela freguesia para votarem e serem votados nas presentes eleições de Câmara e Administrador.
E enquanto ao Rev. Pároco esta Câmara lhe deferiu a sua reclamação pois que como tal precisava-se ter o rendimento da Lei. Quanto aos outros suplicantes, informassem a Junta de Paróquia sobre os motivos que teve para os não recensear, para se lhes deferir na sessão de amanhã. Se deferiram vários requerimentos.
E por nada mais haver houve ele Presidente fechada a sessão, que assinaram.
Eu, António Joaquim de Santana, secretário, o escrevi.
Seguem-se as assinaturas.

Duma reclamação atendida em sessão extraordinária da câmara esperava-se mais. O Pároco de Balasar saiu-se mal: então ele ignorava coisa tão básica? E os outros, não se davam com a Junta? Havia sem dúvida fricções, que envolviam também o pároco…
Entre os balasarenes que acompanhavam o P.e Domingos José de Abreu estava o tristemente célebre António da Costa Raposo, que faleceu no ano seguinte, às duas horas da manhã de 22 de Novembro. O pároco assistiu-o nos últimos momentos. António da Costa Raposo tinha feito testamento no dia anterior, isto é, algumas horas antes, assinado a rogo pelo pároco.
A acta falava da eleição do administrador. Ano e meio depois, iria ser eleito António José dos Santos, para substituto, mas que mais adiante passaria a efectivo. Ele vivia em Vila Nova, muito próximo de Vila Pouca, de onde era António da Costa Raposo.


Obras na Igreja Paroquial?

Viu-se que em 1837 havia muito prováveis desentendimentos entre o P.e Domingos José de Abreu e a Junta. Mas mais, parece que a Câmara tomava a atitude de apoiar, de proteger o pároco, que se sairia menos bem do seu múnus. Em 1839, a situação não devia ter mudado.
Nesta mensagem do regedor para o administrador poveiro (António José dos Santos ainda não era titular[7]), vemos, entre outras coisas, até onde tinha chegado a degradação da Igreja Paroquial:

Ilustríssimo Sr. Administrador do Concelho da Póvoa de Varzim

Ilustríssimo Senhor
Por ordem que recebi, de 26 de Janeiro deste corrente ano, para fazer o orçamento da receita, da despesa que pertence pagar os paroquianos, neste corrente ano, é a de maior e mais extrema necessidade a seguinte:
Em primeiro lugar, têm obrigação os paroquianos de pagar a cera, que é para administrar os sacramentos aos enfermos e a que gasta cada um quando falece e mais funções da igreja, que costuma regular em cada ano, uns pelos outros, de cinco até sete mil réis, pouco mais ou menos.
Também é da maior necessidade rebocar os telhados da igreja porque chove muito nas madeiras e dentro nela, e compor o solho, que está todo podre, que já o ano passado se quis alcançar e se louvou por um trolha e um carpinteiro, que dizem que são precisos seis ou sete sacas de cal e doze centos (sic) telhas novas e telhões para o cume, e de mais ou menos doze mil réis para compor o solho pelo maior, e pregadura, mãos, madeira, ao menos seis mil réis, que isto é da maior necessidade.
E mais são obrigados os paroquianos, por não haver rendimentos na paróquia, a pagar ao secretário e tesoureiro (da Junta), que sempre se lhes tem julgado ao secretário pelo seu trabalho mil réis por mês e ao tesoureiro trezentos réis por mês.
E são estas as despesas que de necessidade se devem pagar no corrente ano, por serem as de maior necessidade
É o que posso informar a Vossa Senhoria.
Deus guarde a Vossa Senhoria.

Balasar, 27 de Fevereiro de 1839.
Do Regedor de Balasar, José da Costa Reis

Para constar ao Ilustríssimo Senhor Administrador Geral do Distrito

No que toca à igreja, já desde o ano anterior se haviam tomado algumas providências para fazer as obras, mas ficara-se por aí: nada se concretizara.
Muitos meses à frente, o P.e Domingos José de Abreu apelou para o administrador, agora já António José dos Santos, numa atitude que denuncia mal-estar na freguesia. O administrador protege-o outra vez e envia uma discreta ameaça à Junta:

Ilustríssimo Sr. Presidente e membros da Junta de Paróquia de Balasar
Transmito a Vossas Senhorias, por cópia, o ofício do Rev. Pároco dessa freguesia em que pede providências acerca do estado em que se acha a igreja e casa de residência para que Vossas Senhorias, sem perda de tempo, mandem fazer os reparos de que precisam os nomeados edifícios, por isso que é da competência de Vossas Senhorias, segundo o disposto na Carta de Lei de 20 de Junho do corrente ano, artigos 15 e 16, poupando-me o desgosto de que, não cumprindo, levar ao conhecimento da autoridade superior a omissão e desmazelo que tem havido da parte de Vossas Senhorias a semelhante respeito.
Deus guarde a Vossas Senhorias.

Póvoa de Varzim, 6 de Novembro de 1839.

Será que as obras se realizaram? Não é certo.


O fim do cisma e o regresso do reitor Manuel José Gonçalves da Silva

No arquivo municipal conserva-se o documento pelo qual o administrador geral do Porto anuncia que o cisma chegara ao fim:

Ilustríssimo Sr. Administrador do Concelho da Póvoa de Varzim

Ilustríssimo Senhor

Havendo a divina Providência abençoado os esforços do Governo de Sua Majestade a Rainha para estabelecer as relações com a Corte de Roma, interrompidas desde a restauração do governo legítimo em Portugal e havendo o prelado desta Diocese participado ter expedido ordem para que nas Igrejas Paroquiais se cante o jubiloso hino Te Deum laudamus em acção e graças por tão fausto acontecimento, participo a Vossa Senhoria que cumpre dar por parte da autoridade administrativa um público testemunho do apreço que merece esta gostosa notícia, tão importante nos seus efeitos espirituais como temporais, convindo por isso que Vossa Senhoria assista ao acto solene de graças na paróquia da capital do concelho, sendo acompanhado pelo maior número de regedores que for possível, ficando prevenido de que é de esperar a mesma ordem do Ex.mo Arcebispo eleito de Braga e portanto esta recomendação abrange também aquele território deste distrito que é subordinado ao Arcebispado na parte eclesiástica.
Deus guarde a Vossa Senhoria.

Porto e Administração Geral do Distrito, 15 de Junho de 1841.
Como Administrado Geral, António Luís de Abreu, Secretário-geral

Não sabemos exactamente quando regressou ao seu lugar o reitor Manuel José Gonçalves da Silva, mas em Outubro enviou esta mensagem ao administrador do concelho, que já era Francisco Leite de Morais:

Ilustríssimo Senhor Administrador do Concelho da Póvoa de varzim

Acuso (a recepção d’) o ofício de Vossa Senhoria de 24 de Setembro, relativo à exigência do Administrador Geral do Distrito e fico ciente do seu conteúdo para o cumprir como Vossa Senhoria me ordena, o que participo a Vossa Senhoria para seu conhecimento e por assim me ser exigido.
Deus guarde a Vossa Senhoria.

Balasar, 8 de Outubro de 1841
O Reitor Manuel José Gonçalves da Silva

Deveria ter regressado pouco antes.
Que terá exigido o administrador geral do Distrito a quem tantos anos estivera fora da sua reitoria?



[1] Quando, em fins de 1836, os setembristas mandaram às câmaras que aceitassem publica e oficialmente a Constituição de 1822, alguns sacerdotes não perderam a oportunidade manifestar o seu apoio à ala mais radical do liberalismo. Na Póvoa, só um acorreu a assinar a acta (os restantes ter-se-ão recusado), mas em Vila do Conde assinaram-na quinze, com certeza todos, sem isto significar que todos aderiam incondicionalmente ao regime. Em 1845, nos inquéritos paroquiais, o P.e Domingos da Soledade Silos não se esquece de tecer elogios àqueles que ainda permaneciam na Vila.
[2] O novo pároco de Terroso, que era de Vila do Conde, também assinara a acta de aceitação da Constituição de 1822.
[3] O regedor de Rates preso por cisma em 1838 candidatou-se depois a administrador e veio a exercer o cargo durante meio ano, após o que pediu demissão. Isto parece provar que a resistência ao cisma era coisa que dizia respeito a muita gente – que nele votou. O regedor apenas ameaçado de suspensão viria a ser vereador após a Maria da Fonte.
[4] Batalhão composto por eclesiásticos, tinha sido organizado pelo Vigário Capitular D. António da Cunha Reis para manter a ordem pública em Braga em momento em que as forças realistas haviam retirado da cidade.
[5] Sabe-se que era natural de Panque, Viana do Castelo.
[6] Que será feito deste livro das actas? O P.e Leopoldino, se calhar, levou-o para a Póvoa e não o devolveu mais… Como seria útil para conhecermos o ambiente do tempo, de quando incorria em crime de cisma quem quisesse ser obediente à autoridade religiosa legítima, isto é, reconhecida pela Santa Sé! 
[7] Efectivo era o ratense António Francisco Lopes.

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