A Maria da Fonte
Que se passou na Póvoa no dia 23 de
Abril de 1846?
Uma acta camarária de 29 de Maio, quando a revolta já levara
à demissão dos Cabrais e impusera que se olhasse o descontentamento do país de
um modo completamente diferente, conta nestes termos o que se passou na Póvoa
de Varzim em 23 de Abril de 1846:
No dia vinte e três de Abril (…) nesta mesma vila entraram os
povos de todas as freguesias que compõem o mesmo concelho, as quais foram
interrompidas no exercício das suas funções (de
eleger autoridades populares) pela chegada de alguma força militar no dia
vinte e quatro do sobredito mês de Abril, vinda da cidade do Porto.
De facto, naquele dia aconteceu algo bem mais perturbador,
como o administrador de Vila do Conde comunicou, logo no dia 24, ao Governo
Civil:
Pela manhã do dia 23 (de
Abril) se achavam os sublevados na Póvoa em força de 200 a 300 homens, uns
armados de espingardas e outros de forcados e fouces, sendo eles pela maior
parte das freguesias de Cristelo e para o nascente pertencente ao concelho de
Barcelos, os quais me informam que na descida obrigam a gente que encontravam a
acompanhá-los, pena de incendiar-lhes as casas. O comandante era um das
Necessidades, que fora porta-bandeira das milícias, cujo nome ignoro, e até
agora não sei de outros chefes.
Consta-me que na Póvoa fizeram auto na Câmara, mas pelo
administrador daquele concelho melhor V. Ex.cia saberá o que lá houve.
Para a tropa ter vindo já no dia 24, o administrador poveiro,
o malfadado Francisco Leite de Morais, pode ter enviado ao Porto alguém a
comunicar o acontecido ao Governador Civil, o Conde de Terena José, mas sobre
acontecimentos, naturalmente gravíssimos, não registou nada por escrito.
A revolta estava a tomar uma dimensão nacional, imparável. No
dia 21, os Cabrais tinham legislado a solução da violência, que passava pela
suspensão das garantias constitucionais:
Nos Distritos Administrativos em que
forem legalmente suspensas as garantias, os crimes de sedição e rebelião serão
julgados em Conselho de Guerra, e passados pelas armas os seus autores.
E José Bernardo da
Silva Cabral veio para o Porto para dirigir a implementação do decreto,
no dia 22; mas, pouco tempo depois, quando soube que um comandante militar
transmontano, o Conde de Vinhais, se negava a fazer fogo contra o povo armado
de chuços e fouces, assustou-se, retirou para Lisboa e em breve o governo foi
demitido: 18 de Maio.
O que escreveu o
administrador nos dias anteriores
O administrador poveiro começa a mostrar inquietação em relação
à agitação popular que grassava no vizinho concelho de Barcelos na manhã do dia
20 de Abril, dia em que escreve ao Governador Civil para lhe comunicar que
“este Concelho (o da Póvoa) se acha
em perfeito sossego e o mesmo me consta do de Vila do Conde”. Num pós-escrito,
diz que o portador o informará sobre os acontecimentos em curso nas freguesias
de Barcelos.
Às duas horas do mesmo dia, dá mais notícias, já com algum
sentido de alarme. Consta-lhe que “ontem fora cortada a ponte de Viana por se
haverem sublevado as freguesias de Anha, Darque, etc.”, ao que dá pouco
crédito. Mas o pior vai também num P.S.:
Agora me dizem que os reunidos de Barcelos se achavam na
freguesia de Gemunde, a duas léguas deste vila, e que estavam em suas consultas
se deveriam ou não vir a esta apanhar alguma pólvora. Dei esta parte ao
Governador (do castelo) para que
fizesse recatar toda a que ali se achasse, como também a do estanco.
No dia 21, Francisco Leite de Morais, fala dum administrador
intruso no concelho de Barcelos e dos novos regedores que ele nomeou, mas os
revoltosos não estavam a ser bem-sucedidos. Nos concelhos da Póvoa de Varzim e
no de Vila do Conde reinava “o mais perfeito sossego”.
A mensagem do dia 25
Francisco Leite de Morais, aparentemente tão prevenido, já
noutra ocasião tinha dado prova de gritante ineficácia, mas desta vez foi o
cúmulo. No dia 23, a Póvoa foi invadida e ninguém soube dele, no dia seguinte
veio a tropa e ele nada disse. Mas escreveu no dia 25, quando regressou um
sossego imposto. Informa ele para o Governador Civil: “já pude capturar Joaquim
José Pereira Azurar, o mais exaltado que se uniu àquela vil canalha e ando em
perseguição dos mais que se evadiram, a ponto de nomearem seu Administrador do
Concelho e fazendo todos os esforços para armar o povo desta vila, o que não
pôde conseguir, deixando os guerrilhas em poder deste o armamento que pilharam
aos veteranos do Castelo para este fim, o qual foi agora entregue ao Governador
do Castelo de Vila do Conde, como também já oficiei ao Juiz Ordinário deste
Julgado fizesse entregar ao Recebedor do Município a quantia de quarenta mil
réis que a intrusa câmara mandara distribuir aos guerrilhas”.
Em
pós-escrito, acrescenta: “achei mais conveniente remeter o preso à presença de
V. Ex.cia. Já tenho feito apear os sinos todos desta vila e igualmente hoje
espero que fiquem apeados os das freguesias do meu Concelho, como também estou
organizando, dos empregados e das pessoas que tenho mais confiança, uma força
para que no caso que esta vila desgraçadamente torne a ser acometida, me possa
bater com aquela infame canalha”.
Onde falou de sinos parece dever entender-se badalos.
Do Porto, haviam-lhe enviado editais com informação sobre os
“poderes discricionários” que se tinham outorgado ao governo, mas
aconselhava-se apesar de tudo, num primeiro momento, “moderação e prudência”.
Afinal, que se passou na Póvoa?
Os guerrilhas vieram todos do concelho de Barcelos?
Certamente não. Entre eles, deveria haver ao menos homens das freguesias
poveiras mais próximas daquele concelho.
O terem-se os revoltosos assenhoreado do armamento do castelo
era grave. Foi isso que lhes permitiu irem a Vila do Conde tentar também
demitir a câmara e nomear administrador, o que não conseguiram.
Francisco Leite de Morais não foi claro. Diz que foi nomeado
um administrador, mas não diz como se chamava, e recebeu dele, parece, o
armamento pilhado no castelo. E poderia também fornecer os nomes dos edis da
“intrusa câmara”…
Terá havido qualquer acordo que o humilhava e de que ele não
ousa falar. Provavelmente Francisco Leite de Morais não queria enfrentar
António José dos Santos, o administrador eleito, que seria figura popular e
dada a consensos.
Com data de 27 de Abril, recebeu o administrador ainda duas
mensagens do regedor substituto de Navais, mas a partir daí mais nenhum
escreveu até Junho; a Câmara da Póvoa não voltou a reunir até 19 de Maio.
Mais documentos
No dia 27, Francisco Leite de Morais voltou a comunicar com o
Governador Civil:
(…) acha-se todo este Concelho em perfeito sossego, tendo eu
toda a esperança de nunca jamais ser alterado, achando-se inutilizados os sinos
tanto deste vila como de todas as freguesias do meu Concelho. Igualmente tenho em
meu poder a maior parte do armamento, à excepção da freguesia de Rates, que não
quiseram entregar, para que solicito de V. Ex.cia instruções como devo dirigir
para ser desarmada aquela freguesia pois é a que merece alguma atenção pela sua
maldade e más tenções.
Além dos presos de que tenho dado parte a V. Ex.cia pude
caçar um dos que mais se distinguiu nesta vila na entrada dos revoltosos, o
voluntário miguelista José Lourenço, filho de António Joaquim Lucena, da
freguesia de Penso, Comarca de Lamego, passando a sua atrocidade a pegar em um
machado e dar princípio a ser escanhotada a portado Castelo, sentindo não saber
que o vapor tinha vindo buscar os presos a vila do Conde para eu meter os dois
que aqui tenho.
Vou continuar com o alistamento: já tenho alistados 115, e
hoje aqui veio falar comigo o oficial encarregado da organização do Batalhão.
Em relação a Rates, o administrador devia saber que a
freguesia tinha grande e justificada queixa contra o regime e por isso não era
caso para vir logo atribuir-lhe “maldade e más tenções”.
As ameaças que pairavam sobre aquele António Joaquim Lucena
eram graves, de acordo com a mensagem que o Conde de Terena José enviara no
mesmo dia:
(…) remeto a Vossa Senhoria os
adjuntos exemplares das instruções suplementares dos Conselhos de Guerra de que
se trata na citada Lei para que Vossa Senhoria lhes dê inteiro cumprimento na parte que lhe toca,
enviando ao General Comandante da 3.ª Divisão Militar os revoltosos que
porventura forem encontrados no seu Concelho com armas na mão ou sem elas,
devendo ser acompanhados dos documentos de que trata o art.º 2.º das mesmas
Instruções a fim de serem julgados no Conselho de Guerra.
A partir do dia 30, Francisco Leite de Morais não regista
mais comunicações com o Governador Civil. Mas então ainda se mostrava activo, empreendedor:
(…) tenho a honra de participar a V. Ex.cia que todo este
Concelho se acha em sossego e que o número de alistados para as duas companhias
desta vila monta já ao número de 192 e vou continuando.
Por uma carta que recebi de Barcelos, soube que uma porção de
guerrilhas, na manhã do dia de ontem, se apresentou da vila de Barcelos, no
monte de Oliveira, provocando a tropa, e que esta imediatamente saíra em
perseguição deles, principiando o fogo às onze da manhã, durando até às cinco
da tarde, indo estes sempre em debandada.
O Governador Civil continua-lhe a enviar correspondência. No
dia 9 quer os “autos de investigação dos factos criminosos imputados a José
Lourenço, José Pereira e Manuel da Costa, que Vossa Senhoria enviou presos a
este Governo Civil com os seus ofícios de 4 e 7 do corrente mês”.
A 12 de Maio, escreveu o Conde de Terena José:
Acuso a recepção do ofício de Vossa Senhoria, com data de
onze do corrente, em que pede instruções sobre se deve fazer capturar os
membros da Câmara Municipal nomeada pelos revoltosos, bem como outras
autoridades por eles nomeadas, se porventura se recolherem a suas casas; ao que
me cumpre responder que, se essas autoridades aceitaram de bom grado tais
nomeações, as deve fazer capturar, porém, se recusaram e agora pacificamente se
recolherem às suas casas sem que se tornem suspeitas ou perigosas à
tranquilidade pública, as deve deixar gozar do abrigo da Lei.
Francisco Leite de Morais apreciava estes rasgos de dureza. Mas
que necessidade tinha ele de se antecipar a uma possível ordem do Governador
Civil quando no seu concelho nem a Câmara se reunia? Não via que a situação se
encaminhava para dar razão aos revoltosos?
A mensagem enviada pelo administrador sugeria que os eleitos
de 23 de Abril andavam fugidos.
Mas o Governo ia cair em 18 de Maio e em 19 eles iam saborear
uma vitória que levou tempo a chegar, mas que veio e relegou para o grupo dos
vencidos e envergonhados o insensato administrador. Depois, em 29,
reunir-se-iam de novo para iniciar funções.
29 de Maio, primeira
reunião da nova câmara
Eis a acta completa, sem as assinaturas, de 29 de Maio:
Auto de reunião dos cidadãos desta vila para ratificar a nomeação
das Autoridades Populares
Ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil
oitocentos e quarenta e seis, aos vinte e nove dias do mês de Maio do dito ano,
compareceram os cidadãos desta vila nesta sala das sessões da Câmara Municipal
a fim de ratificarem a nomeação das Autoridades Administrativas e Judiciais,
que foram os seguintes cidadãos: para a Comissão Municipal Popular: Presidente,
o bacharel Francisco António da Silva Pinto, Fiscal, Manuel Pinto Ribeiro,
António Joaquim Gomes Vilar, Marcelino Baptista Carneiro, António Gomes Vieira,
José António Dias, José Martins Gesteira, Secretário, António Luís Monteiro;
para Administrador do Concelho, António José dos Santos, da freguesia de
Balasar, Substituto do Administrador, Joaquim José Pereira Azurar; para Juiz
Ordinário, Félix António Pereira da Silva; Substituto do Juiz Ordinário, Manuel
Luís de Sousa – cuja nomeação teve lugar no dia vinte e três de Abril próximo
passado, por ocasião que nesta mesma vila entraram os povos de todas as freguesias
que compõem o mesmo concelho, as quais foram interrompidas no exercício das
suas funções pela chegada de alguma força militar no dia vinte e quatro do
sobredito mês de Abril, vinda da cidade do Porto. Mas tendo retirado, tornaram
a regressar os povos no dia dezanove de Maio deste mesmo ano, aprovando as
mesmas autoridades, com uma pequena alteração, porque o Presidente da Câmara
foi mandado para o lugar de Administrador do Concelho e substitui-o Francisco
Fernandes de Freitas Guimarães. E porque não tinham as mesmas Autoridades
entrado no exercício das suas funções e verem-se os mesmos cidadãos sem
autoridades que os socorressem nos casos que porventura fosse preciso
fazer-lhes justiça, tornaram a reunir neste dia vinte e nove do corrente Maio e
confirmando a nomeação que já se havia feito, não obstante ter o Presidente
observado aos ditos cidadãos que já tinha oficiado a Sua Excelência o
Governador Civil do Distrito, o Senhor Visconde da Beire, e que então seria
melhor aguardar ou esperar a decisão acerca do ofício e respectiva lista das já
referidas Autoridades que ele presidente havia levado ao conhecimento de Sua
Excelência. Mesmo assim, responderam os cidadãos que Sua Excelência, rodeado de
negócios importantes na melindrosa crise em que a Nação anda, podia demorar a
dar resposta ou decisão e que entanto julgavam e entendiam que as mesmas
Autoridades continuassem no exercício das suas funções e logo que chegasse a
decisão de Sua Excelência que observariam o que ele determinasse por estarem ao
facto de que Sua Excelência é da alta vontade de Sua Majestade e de toda a
confiança dos povos deste distrito, declarando que neste acto o mesmo povo
reunido, votando geralmente que ficasse Administrador do Concelho e efectivo
serviço Francisco Fernandes de Freitas Guimarães, desta vila, pelo motivo ser
de ser António José dos Santos residente na freguesia de Balasar, à distância
de duas léguas desta vila cabeça de concelho, e que sendo o primeira autoridade
era mister que estivesse presente às necessidades da vila, centro de todo o
concelho, o que tudo feito procedeu o Presidente a receber o juramento da mão
do Fiscal e depois cada um dos vereadores o receberam da mão dele Presidente,
assim como o Administrador do Concelho e Juízes Ordinários, sob cargo de cujo
juramento prometeram sustentar e respeitar como lhes cumpre os direitos de Sua
Majestade a Rainha Fidelíssima a Senhora Dona Maria Segunda, observar, guardar
e fazer guardar na parte que a cada um lhe toca a Lei fundamental, a Carta
Constitucional, esperando que Sua Majestade haja por bem modificar a
constituição, no que os cidadãos confiam e assim o esperam da maternal
proclamação de vinte e um do corrente Maio, em que Ela empenha a sua real
palavra. Depois do que tudo feito, tomaram todas as autoridades a respectiva
posse. E para constar se fez o presente auto que a Câmara, Autoridades e todos
os mais Cidadãos que concorreram vão assinar.
Eu, António Luís
Monteiro, secretário interino, o escrevi.
Declarando-se que o
terceiro Juiz Ordinário ficou eleito José Pedro Carneiro, o qual prestou o
mesmo juramento e assina. Eu, sobredito, o declarei, bem como as nomeações do
Juiz de Paz José Félix Pereira da Silva, Juiz Eleito José Gonçalves Vicente,
Regedor José Gonçalves Moreira, que receberam o juramento e assinam.
A acta foi assinada por 242 pessoas, sem cruzes de
analfabetos. Isto faz supor que haveria mais presentes já que a escolaridade
estava longe de ser geral.
Seriam estes os homens de 23 de Abril, como sugere a acta? Não,
com certeza. Muitos dos homens das espingardas, dos forcados e das fouces tinham
vindo as freguesias de Barcelos e na hora da vitória surge sempre gente que também
quer colher os louros.
Entre as assinaturas, constam-se dezasseis sacerdotes, número
significativo, mas muito aquém da totalidade do clero do concelho. Eles tinham
muita queixa contra o regime.
Quem também assina a acta é Francisco Gomes de Amorim,
recém-chegado do Brasil.
Porque terá António José dos Santos recusado a administração?
A desculpa das duas léguas que separam Balasar da Póvoa, que eram as mesmas de quando,
anos atrás, ocupara o cargo. Talvez achassem que ele não foi suficientemente
determinado quando entregou as armas pilhadas no castelo. Mas, se as não
entregasse, não voltaria a tropa?
Mas ele acabou por ser vogal da Comissão Municipal embora só
uma vez assine a acta.
Uma outra vez é mencionado como
E os presos, terão sido libertados?
Algumas considerações de ordem política
D. Pedro “outorgara” a Carta Constitucional, dera-a num acto
de generosidade principesca. Mas tal deixava intacto o seus direitos sobre o
rebanho. Como poucos quiseram tal carta, ele impô-la pelas armas. E no fim levou
o seu extremismo maçónico a impor ainda uma revolução cultural, com o corte de relações
com Santa Sé, com a extinção das Ordens Religiosas, com a imposição de
autoridades intrusas nas Dioceses, etc., lançando o país no cisma.
Ele e o irmão, como se escreveu na altura, eram “vinagre da
mesma pipa”.
As movimentações populares da Maria da Fonte só têm paralelo na
nossa história nas de 1383-1385. Nos dois casos o povo toma nas mãos o destino
do país. Mas isto não podia agradar ao poder liberal.
As votações populares e a vasta gama de autoridades que delas
nasciam serviam principalmente para ratificar o que os liberais queriam, nunca
para o pôr em causa. Era ver como reagiam a quem ousasse demarcar-se do cisma.
Ora as movimentações da Maria da Fonte, que tanto espanto
causaram aos políticos do tempo, vieram justamente abalar estes fundamentos do
regime.
Por isso, aos sucessores dos Cabrais, tão liberais como eles,
não interessava também nenhum poder nascido de base popular.
Assim, as novas autoridades poveiras não podiam fazer grande finca-pé
perante eles do mandato revolucionário que tinham recebido.
Uma comunicação do novo
administrador
No dia 1 de Junho, o novo Administrador dirigiu-se à Rainha
(de facto, aos políticos do novo Governo):
Senhora!
À real presença de Vossa Majestade vem apressado o Administrador
deste Concelho da Póvoa de Varzim – mas aquele, Senhora, que os Povos do
Concelho no seu movimento patriótico elegeram e que tantas vezes ratificaram depois
que a opressão deixava de invadir o mesmo Concelho – felicitar a Vossa Majestade
por haver nomeado um Ministério de capacidades, em que a Nação confia o seu
melhoramento, esperando daí a salvação do País, para o que empregará todas
aquelas medidas que a Nação ansiosa reclama para sustentar em paz no trono a
Vossa Majestade, a observância da Carta Constitucional e os interesses dos
Portugueses, na certeza de que este Concelho tem diante dos olhos todos estes sagrados
objectos e em nome dela vem submissamente implorar de Vossa Majestade a graça
de demitir o Administrador anterior por ser malquisto dos povos e todo oposto aos
interesses do mesmo, e confie Vossa Majestade que eu, assim como todo o
Concelho que me encarregou de administrar, estamos decididamente resolvidos a
ouvir a voz, a observar e fazer guardar as ordens e determinações de Vossa Majestade,
por ser a Rainha dos Portugueses que à porfia a estão adorando. A prova de tudo
isto é a cópia autêntica do auto que acompanha esta.
Deus guarde a Vossa Majestade por dilatados anos como os Portugueses
hão mister.
Póvoa de Varzim, 1.º de Junho de 1846.
O Administrador interino Francisco Fernandes de Freitas Guimarães
No livro da correspondência enviada, a palavra administrador
(em abreviatura) parece estar riscada.
Pedir à Rainha que demitisse o administrador anterior para o
colocar a ele no lugar não era tarefa agradável para Francisco Fernandes de
Freitas Guimarães. Mas era um passo inevitável para garantir a sua legitimidade
e posteriormente a dos demais novos responsáveis do Concelho. Embora
declarando-se submisso, começa por se reconhecer como votado pelos povos do
município; depois, elogia a Rainha, acusa o antecessor e mostra-se empenhado.
Confirmação da nova
Câmara pelo Governador Civil
Foi preciso esperar alguns dias até chegar a confirmação
superior que legitimava estas autoridades populares interinas.
Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1846, aos
oito dias do mês de Junho do mesmo ano, em vereação extraordinária, reunidos os
membros da Comissão Popular abaixo assinados em virtude do ofício que o
Administrador do Concelho Félix António Pereira da Silva enviou ao Presidente
da mesma Comissão, com data de sete do mês e ano corrente, a fim de neste auto
se transmitir à mesma Comissão as ordens e determinação de Sua Excelência o
Senhor Visconde de Beire, Governador Civil deste Distrito, as quais sendo
patentes neste acto não só aos membros da referida Comissão mas também àquele
número dos Vereadores que compareceram e que faziam parte da Câmara transacta,
também abaixo assinados, ficaram cientificados uns e outros do conteúdo no
alvará de cinco de Junho deste ano, vindo se Sua Excelência, que expressamente
determina a dissolução da Câmara passada, mandando entrar no exercício de suas
funções os membros da Comissão Popular. E seguidamente passou ele Administrador
do Conselho a prestar o juramento ao Presidente da referida Câmara e este aos
seus membros, e cujo juramento consistia em ser fiel a Nossa Rainha, ser
obediente à Carta Constitucional reformada em conformidade do Decreto de dez de
Fevereiro de mil oitocentos e quarenta e dois e bem assim às Leis do Reino,
seguindo-se tudo determinado no artigo vinte e cinco do Código Administrativo.
O que efectuado passou ele Presidente a receber da mão de cada um dos membros o
competente juramento que foi concebido nos mesmos termos que o Presidente e
expresso em voz alta, em vista do que julgou-se instalada a Comissão para
continuar no exercício das suas funções.
E para constar se lavrou a presente acta. Eu António Luís
Monteiro, escrivão interino, a escrevi.
Bacharel Francisco António da Silva Pinto
Fiscal, Manuel Pinto Ribeiro
Marcelino Baptista Carneiro
António Joaquim Gomes Vilar
António José dos Santos
José Martins Gesteira
Félix António Pereira da Silva
Seguem-se as assinaturas dos cidadãos que faziam parte da
Câmara transacta. O Secretário interino António Monteiro.
João Baptista de Carvalho
Manuel Gomes do Eirado
José Domingues Moreira
José Gonçalves Giesteira
Manuel da Costa
Esta comissão administrativa teve uma vida curta e
conturbada. Uma vez apareceu na porta da Matriz um panfleto impresso de
propaganda absolutista; quando foi preciso reforçar as finanças municipais com impostos,
alguém deve ter mobilizado os pescadores e lavradores que se puseram contra a
comissão e uns contra os outros. Numa sessão municipal o presidente deve ter
sido ferido. As sessões posteriores deixaram de ter lugar no edifício da câmara
para se realizarem em casas particulares, até se chamar a tropa. Em Setembro,
houve eleições e a na nova câmara não figurou nenhum elemento da comissão. A
nova edilidade manteve-se até 15 de Julho de 19847, quando foi dissolvida, após
a Convenção do Gramido.
António José dos Santos foi vogal da comissão não sabemos bem
a que título.
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