sábado, 1 de junho de 2013

No rescaldo da Revolução Liberal (5)

António José dos Santos

Administrador do concelho

António José dos Santos nasceu em Gueral em 1793, em tempo de Revolução Francesa, casou para Vila Nova, Balasar, em 1813, em tempo de Invasões Napoleónicas, e foi eleito Juiz de Paz desta freguesia em 1837, quando ela passou para o concelho da Póvoa de Varzim. Já então com 44 anos de idade, é provável que a sua intervenção política remontasse ao período final do antigo regime e aos tempos difíceis do reinado de D. Miguel e da guerra civil. O seu nome ocorre de passagem no Tombo da Comenda, em 1830.
Balasar deu à Câmara Municipal vários vereadores, mas António José dos Santos sentou-se em 1839 na cadeira do administrador, que era a primeira autoridade municipal.

Os primeiros passos na política concelhia da Póvoa

Em 16 de Setembro de 1837, António José dos Santos teve de deixar de ser jurado de pronúncia por ter sido eleito juiz de paz de Balasar[1]. Mas não deve ter ocupado muito tempo o lugar de juiz de paz. De facto, na acta da sessão extraordinária da Câmara Poveira 5 de Fevereiro de 1838, acta que ficou sem efeito, ele ocorre como vereador.
Curiosidade: o primeiro secretário do juiz de paz de Balasar (e também o último) foi João José Ferreira; ora há um documento da casa da Gandra, com data de 6 de Junho de 1836, assinado por João José Ferreira e António José dos Santos, mas apenas na qualidade de testemunha. A este tempo, Balasar ainda pertencia ao concelho de Barcelos. 


Administrador

Na sequência duma eleição que há-de ter ocorrido em finais de 1838, António José dos Santos foi nomeado, em 21 de Janeiro de 1839, administrador substituto. Efectivo era o ratense António Francisco Lopes. Mas a actividade administrativa deste foi um pouco atribulada e por isso pediu a suspensão em 10 de Junho, dando lugar ao seu substituto, que ocupou o cargo cerca de dois anos, até final de Agosto de 1841.
Foi com este documento que foi feito administrador substituto:

Ilustríssimo Senhor Administrador do Concelho da Póvoa de Varzim

Ilustríssimo Senhor
Por portaria do Ministério do Reino, de 14 de Janeiro corrente, cuja cópia a Vossa Senhoria se remete, houve por bem Sua Majestade a Rainha nomear, dentre os propostos, a António Francisco Lopes para Administrador e para seu substituto a António José dos Santos, o que assim comunico a Vossa Senhoria para que haja de fazer a respectiva comunicação aos nomeados a fim de virem a esta Administração Geral prestar o juramento da Lei, como determina o artigo 222 do Código Administrativo do Reino.
Deus guarde a Vossa Senhoria.

Porto e Administração Geral, em 19 de Janeiro de 1839.
O Conselheiro Geral João Francisco Ferreira de Moura 

Esta outra comunicação do Administrador Geral determina a suspensão do regedor ratense e a entrada em efectividade de António José dos Santos:

João António Ferreira de Moura, do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, Moço Fidalgo em exercício na sua Real Casa, Comendador da Ordem de Cristo e Administrador Geral do Distrito do Porto.

Em virtude da faculdade que me é concedida pelo artigo 116 do Código Administrativo e por bem do Serviço Nacional, fica suspenso de suas funções o Administrador do Concelho da Póvoa de Varzim António Francisco Lopes devendo imediatamente entregar a Administração ao seu substituto, António José dos Santos, a quem nesta data se faz a respectiva participação para esse fim.

Porto e Administração Geral do Distrito, em 22 de Junho de 1839.
O Conselheiro Administrador Geral João António Ferreira de Moura

Pelos vistos, em fins de 1839, houve eleições novas eleições para administrador e assim em Janeiro António José dos Santos reassume o cargo, agora já com substituto:

Ministério do Reino
3.ª Repartição
Livro 4.º - C

Sendo presente a Sua Majestade a Rainha o ofício do Administrador Geral Interino do Distrito do Porto, com data de 31 de Janeiro último, acompanhando a proposta dos indivíduos mais votados na eleição para o cargo de Administrador do Concelho da Póvoa de Varzim, a fim de ser submetida à sua soberana aprovação, há por bem a mesma Augusta Senhora, em conformidade do Art.º 114, Tít. 2.º do Código Administrativo, nomear,  dentre os propostos, a António José dos Santos para Administrador do referido Concelho e para seu substituto a Manuel Lopes Balaseiro, e assim o manda comunicar ao Administrador Geral  para sua inteligência e mais efeitos necessários.
Palácio das Necessidades, em 4 de Março de 1840.
Rodrigo de Fonseca Magalhães
Está conforme.

Porto e Secretaria da Administração Geral, em 10 de Março de 1840.
José Maria Ribeiro Vieira de Castro
Oficial Maior, Secretário-Geral Interino



A actuação face ao cisma

Não foi fácil o tempo da administração de António José dos Santos, principalmente em razão da resistência ao cisma liberal que se agravava no concelho. O contributo que deve ter dado para serenar os ânimos valeu-lhe sem dúvida ter sido reeleito para o cargo ao tempo da revolta da Maria da Fonte. Foi no período da sua administração que o cisma chegou ao fim a nível nacional.
Na sua gestão da resistência ao cisma em Rates podem-se salientar três momentos: o inicial, quando enviou tropa para aquela vila, a ordem que deu ao regedor de Rio Mau para ir lá com os seus cabos e certamente com larga companhia de homens “apenados”, em 21 de Janeiro de 1840 e a sua atitude apaziguadora que comunicou ao administrador do Porto em 24 de Agosto de 1840.


António José dos Santos e a Santa Cruz

O P.e Leopoldino Mateus no trabalho sobre a Santa Cruz publicado no Boletim Cultural cita três documentos do administrador do concelho: são todos do tempo de António José dos Santos. Transcrevemo-los pela ordem cronológica.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Barão do Mogadouro, Administrado Geral do Distrito do Porto
No dia 18 de Junho seguinte, em que a Igreja fes­teja a festividade Corpus Christi, é costume feste­jar-se na freguesia de Balasar deste concelho a Santa Cruz, a cujo templo concorre todo o povo circunvizinho e de longe, tanto na véspera, à noite, como no próprio dia, formando assim um dos adjuntos a que se chama romaria; e porque eu desejasse conservar o sossego que quase sempre se perturba em tais adjuntos e não confie na polícia[2], por cujo porte me não posso responsabilizar, imploro de V. Ex.a a graça, sendo possível, de dar as suas ordens para que na véspera e no dito dia esteja ali uma escolta de tropa de vinte sol­dados pelo menos. A administração da dita festividade prontifica-se ao agasalho dos soldados, sem os fazer pesados ao povo.
Deus guarde a Vossa Excelência.

Administração do Concelho da Póvoa de Varzim, 31 de Maio de 1840.
O Administrador do Concelho, António José dos Santos

Como se dá a entender, já em anos anteriores teria havido perturbação da ordem pública, mas esta foi a primeira vez que veio a tropa.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Incluso tenho a honra de enviar a Vossa Senhoria o requerimento de Custódio José da Costa, da freguesia de Balasar deste Concelho, em que pede serem confirmados os estatutos da Capela da Santa Cruz aparecida naquela freguesia a fim de que Vossa Senhoria lhe defira como achar de justiça.
Deus guarde a Vossa Senhoria.

Administração do Concelho da Póvoa de Varzim, 22 de Junho de 1840.
António José dos Santos

Custódio José da Costa deve ter tido em António José dos Santos um auxiliar muito valioso.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Em satisfação à portaria da 4.ª Repartição, número 24, tenho a honra transmitir a V. Ex.cia a inclusa resposta da Junta de Paróquia, actual administradora da Capela da Santa Cruz, erecta na mesma freguesia, da qual V. Ex.cia verá as razões em que se fundam e, se me é lícito in­terpor o meu parecer sobre este negócio, direi o se­guinte:
O requerente Custódio José da Costa, que é homem solteiro e favorecido dos bens da fortuna, foi o primeiro indivíduo que deu impulso à devoção da Santa Cruz ali aparecida e, pelos rendimentos e di­nheiros seus, donde provém o alcance que a Junta faz menção – e que exigiu estimulado por se lhe tirar a administração – chegou a erigir decente templo e bem mobilado e continuaria, e em maior auge se acharia, se por acaso continuasse na administração, porque era o dito templo o seu divertimento e o único cuidado que o ocupava, sem que se pudesse supor desperdício algum das ofertas dos fiéis, porque é homem indepen­dente e de timorata consciência. E, comprovadas as administrações, a da Junta é sem dúvida menos recta, não só porque nas contas anda atrasada, isto é, não as apura como deve, deixando dinheiros mortos em mãos dalguns administradores que afinal se perderão... e esses administradores por ela nomeados, mais zelosos do que é seu do que pertencente ao templo, em algum desleixo o conservam, o que decerto não aconteceu em tempo da administração do requerente, nem acontecerá erigindo-se confraria, cujos membros punirão, como de­vem, pelo aumento e conservação daquela devoção.
Deus guarde a Vossa Senhoria.

Administração do Concelho da Póvoa de Varzim, 9 de Julho de 1840.
António José dos Santos

É muito bom possuirmos este testemunho sereno, objectivo, elogioso, redigido sem dúvida pelo amanuense, mas com o ponto de vista de António José dos Santos. É pena que se não conserve a correspondência do administrador do concelho para a administração do Porto relativa a 1841, onde deveria haver mais informação interessante sobre Balasar.


Acerto na delimitação do concelho da Póvoa com o de Vila do Conde

Ao administrador não caberia um papel muito significativo no acerto da distribuição de freguesias pelo concelho da Póvoa de Varzim e pelo seu vizinho de Vila do Conde; o assunto era mais da câmara, mas António José dos Santos foi também chamado a pronunciar-se e fê-lo com largueza de vistas de um bairrismo saudável e bem informado.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Administrador Geral do Distrito do Porto

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Em cumprimento da portaria de V. Ex.cia, 2.ª Repartição, número 2, com data de 1 de Agosto corrente, cumpre-me informar que a participação da Câmara Municipal desta vila, cuja cópia me foi transmitida e reenvio, é em tudo verdadeira e até necessária.
A divisão dos dois concelhos, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, acham-se irregularmente divididos, porque a vila da Póvoa e a freguesia de Argivai, sua anexa, ficam por todos os lados rodeadas pelo de Vila do Conde, a de Santagões, quase no fim dos limites, encravada praticamente no mesmo concelho, e as freguesias de Parada e Outeiro, da mesma sorte, quando Beiriz e Amorim, confinantes com a vila da Póvoa pelo nascente e norte, pertencem a Vila do Conde, o que torna o arredondamento dos dois concelhos confuso e sem ordem nem conveniência alguma. E não só por outro lado, mas até pela utilidade dos povos se faz necessária uma nova divisão na forma que a Câmara indica, porque os povos de Amorim, Beiriz, Arcos e Touguinha estão em relação íntima com a vila da Póvoa, aonde concorrem a conduzir diariamente lenha, frutas e farinha, além dos mercados semanais em que se provêm do necessário em troca dos seus produtos. Assim, se ao concelho da Póvoa se reunissem Amorim, Beiriz, Arcos e Touguinha, que estão no de Vila do Conde, e se a este se dessem as freguesias de Santagões, Outeiro e Parada, que estão agora no da Póvoa, ficariam os dois concelhos bem arredondados e proporcionados em gente e recursos para a sua existência e governo municipal e os povos com mais comodidade de procurarem o que lhes convém numa vila onde têm relação de amizade e comércio diário desde tempo muito antigo e decerto muito estimariam uma tal mudança que já por vezes mas sem fruto tem solicitada.
Deus Guarde Vossa Senhoria.

Administração do Concelho da Póvoa de Varzim, 10 de Agosto de 1840.
O Administrador do Concelho, António José dos Santos


As matas do concelho e os maninhos de Balasar

Em Agosto de Agosto 1840, António José dos Santos teve de enviar para o Porto informação sobre as matas do concelho, mas informou também sobre os maninhos de Balasar. Pelo documento ficámos a ter uma ideia muito mais ajustada do que eram os terrenos não cultivados do concelho. A referência que faz a Tibães é também de registar pois consta que os monges deste mosteiro foram pioneiros na área da arboricultura.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Barão de Mogadouro, Administrador Geral do Distrito do Porto

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Em satisfação da circular n.º 4, 2.ª Repartição, com data de nove do corrente, em que me manda dar uma relação exacta das diferentes matas existentes neste Concelho, com as especificações nela apresentadas, cumpre-me dizer a V. Ex.cia que neste Concelho não existem matas de que me apreça dever dar a conta, porque apesar de haver grandes pinhais continuados desde a freguesia da Estela, Laundos, Rates e Rio Mau, que formam uma mata fechada, deserta e em sítios medonha e que serve de asilo a lobos, que quase todos os anos ali se acolhem; toda ela se acha retalhada em pequenas sortes, possuídas por inumeráveis particulares tanto deste Concelho como dos de fora, tornando-se impossível a sua medição e cálculo de seu rendimento não só por ser necessário gastar neste trabalho porventura um ano, mas também por se não poder averiguar que seja seu dono. Estes pinhais acham-se todos em terrenos pela maior parte aforados por particulares ao extinto Convento de Tibães, que possuía quase toda a freguesia da Estela, e à Sereníssima Casa de Bragança, principiando pela necessidade de proibir que os ventos atulhassem as terras cultivadas de areias; e cada vez crescem e são de uma riqueza incalculável pelas madeiras que fornecem para usos diários e construção de barcos.
Existem mais alguns maninhos na freguesia de Balasar, mas terra tão ingrata que tem sido inteiramente desprezada, e formam montados quase calvos e compridas charnecas cuja produção é carrasca e carqueja.
À vista desta exposição, espero que V. Ex.cia me esclareça se devo ou não entrar em semelhante averiguação, indicando-me os meios como a devo levar a fim, o que não poderei fazer facilmente pelas razões acima ponderadas.
Deus guarde a V. Excia.

Administração do Concelho da Póvoa de Varzim, 16 de Abril de 1840.
O Administrador do Concelho, António José dos Santos

Na Maria da Fonte

Em 1846, no âmbito da agitação popular da Maria da Fonte, foi eleito administrador do concelho, mas não chegou a tomar posse do cargo, que foi ocupado pelo presidente da comissão eleita com a justificação de que António José dos Santos residia a grande distância da sede do concelho, “a duas léguas”. A sua eleição deveria significar o apreço que ganhou entre os poveiros quando antes exercera o cargo.
Mas António José dos Santos fez parte da comissão municipal que governou o concelho até às novas eleições, embora só uma vez assine a acta, a da de entrada em exercício, em 8 de Junho. Como não era vereador, não sabemos bem em que condições concretas isso sucedeu. Em 4 de Julho daquele ano, era Chefe da Delegação da Alfândega; em 14 de Agosto, é encarregado de presidir à assembleia eleitoral a decorrer em Rates para as eleições seguintes na qualidade de vogal da comissão municipal (votariam ali os eleitores de Rates, Estela, Laundos, Terroso, Rio Mau, Balasar, Parada, Outeiro Maior e Santagões).
Que saibamos, não integrou a câmara saída da revolta, mas quando esta foi demitida em 15 de Julho de 1847, ele foi uma vez mais indicado para vereador da comissão municipal posterior.

Em Outubro de 1847, o administrador Félix António Pereira da Silva, em resposta para o Governo Civil que lhe pedia que propusesse “três cidadãos deste concelho que julgasse habilitados para exercer o cargo de substituto do administrador do concelho, incluiu na lista “António José dos Santos, da freguesia de Balasar, distante desta (vila) duas léguas, bom proprietário, bem morigerado e de muito bons sentimentos políticos e também de (boa) opinião geral e que serviu de administrador em 1841”.

É provável que António José dos Santos se exprimisse oralmente com fluência, mas as habilitações académicas deviam ser escassas. Não conhecemos textos autógrafos dele, pois recorria sempre a secretários, mesmo na breve informação que em 26 de Julho de 1847 envia ao seu sucessor de então, onde se chega a escrever bim em vez de vim, só a assinatura será sua.
Praticamente contemporâneo de Luís Joaquim de Oliveira, o Cirurgião da Bicha, é como ele motivo de orgulho para as gentes da freguesia.
Em Balasar, António José dos Santos lidou com vários párocos, entre eles os padres Manuel José de Azevedo, António Domingos de Abreu e depois Manuel José Gonçalves da Silva. Claramente o ajudou Custódio José da Costa.
Foi casado com Rosa Maria da Silva e faleceu em 25 de Outubro de 1875[3].
António Joaquim Leitão, que havia de comprar a Quinta de D. Benta, era seu neto, filho duma sua filha casada para o Casal.



[1] Na acta da aclamação de D. Maria II em Barcelos, em 29 de Março de 1834, assina um António José dos Santos, mas não é garantido que seja este. De facto, a assinatura é bastante diferente da maior parte das outras que dele conhecemos, com uma excepção, a da acta da eleição das “autoridades populares” na Póvoa de Varzim, em 29 de Maio de 1846. O primeiro juiz de paz de Balasar há-de vir ainda de 1836, dos tempos em que pertencia ao concelho de Barcelos. É provável que já então fosse eleito ele.
[2] Deve-se tratar dos cabos de polícia, populares ao serviço do regedor, armados quando muito duma vara.
[3] Regista-se a curiosidade de ele ter deixado uma missa a S. Pedro de Rates.

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